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Sal...

Esta coisa da hipertensão arterial é uma chatice. Aliás, a velhice só traz aborrecimentos, bom, nem sempre, mas é muito mais atreita a tal, é dependente de coisas que souberam e continuam a saber bem, por vezes até bem de mais.  Convencê-los de que devem tratar-se é complicado e se lhe reduzirmos o sal então é uma tragédia. Ai isso não, isso é mesmo que matar-me! Não consigo comer sem sal, o senhor doutor o que quer é matar-me. Não quero nada, quero apenas ajudá-lo. Mas como? Comer sem sal? Não consigo, é impossível. Convencê-las, sim, falo no feminino, porque "elas" são mais complicadas, é muito difícil, para não dizer que é quase impossível. Sempre tive enorme apetência para o sal. Lembro-me de levar pequenas pedras de sal escondidas para as saborear no recreio da escola. Roubar pequenas lascas de bacalhau salgado, pendurado do teto na petroleira lá do sítio, era um desafio fascinante, claro que a dona devia fechar os olhos a este atrevimento, mas chupá-las e comê-las

Corro...

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Corro, mas não fujo, corro para poder encontrar, o quê, não sei, mas corro com uma vontade crescente de achar ou ser achado por alguém. Preciso de alguns minutos, não muitos, apenas os suficientes para sentir que vale a pena andar à cata de qualquer coisa que eu não sei muito bem o que é. Pode ser que seja apenas a vontade de procurar, mesmo que não encontre nada ou ninguém. Mas é bom, é muito apetitoso andar à procura, ou sentir essa sensação, como que a querer premiar a minha vontade. Vale a pena ter vontade? Claro que vale, é inebriante e estimula mais a alma do que beber o melhor néctar do mundo, deve ser o vinho dos deuses que me desperta a vontade de o beber. Os sentidos ficam soltos, o corpo elanguesce de prazer e o futuro desaparece sem doer. Que bom sentir a vontade, só a vontade, a vontade de encontrar mesmo que não ache nem seja achado. Não faz mal, o que interessa é experimentar essa sensação, uma, duas, muitas, muitas vezes, vezes sem conta, sem futuro, sem passado,

Pelo brilhante...

Fugir para locais conhecidos é a melhor forma de não perder o sentido da vida. Sempre crente de que o espaço, o tempo, os odores, o vento, as melancólicas águas da ribeira e o ritual absurdo do sol, que se levanta sorridente umas vezes e triste outras, desejam ardentemente enganar-me, como se fosse um dia diferente, cheio de inesperados acontecimentos.  O livro escorria entre os meus dedos sempre que aparecia um som diferente, fosse o coaxar de uma rã, desafiando as palavras que ondulavam debaixo dos meus olhos, fosse o matraquear de falas chocas de quem gosta fazer-se ouvir. O livro transportava-me para outras épocas e locais. Ia e voltava.  Unia-me ao passado e o passado unia-se a mim, tentando criar um mundo sem tempo e sem espaço. O sol, para quem o nosso tempo não conta nada, um mero pestanejar de enfado, era o denominador comum.Tentei desligar-me do pequeno mundo circundante. Deixei os olhos deslizarem pelas páginas enquanto o meu espírito se entretinha a ver e a ouvir tempos

Direito à Sepultura...

Tenho acompanhado com algum interesse o folhetim do enterramento do jovem responsável pelo abominável atentado de Boston. A recusa liminar em dar sepultura ao corpo por parte das entidades oficiais, face à ausência de o mesmo não ter sido reclamado, traduz uma hipocrisia que merece ser analisada. As pessoas dessas zonas recusaram o direito a que o corpo pudesse ser enterrado nos cemitérios locais. No entanto, uma cidadã de outro Estado, manifestando a sua formação cristã, e invocando os princípios inerentes a esta prática, conseguiu solucionar o assunto. O que me intriga e incomoda são as palavras de alguns dirigentes religiosos. Consideram impróprio que o cadáver fosse colocado num local onde existem outros corpos constituindo tal facto um insulto para os familiares que ali vão prestar homenagem aos seus ou passar a ser um local de eventual "culto" no futuro. Aqui está uma perfeita demonstração da aplicação de princípios religiosos, hipocrisia levada ao seu expoente máximo

Passar pela vida...

Passar pela vida sem dar conta da mesma é muito comum. Muitos dos que não dão conta da sua existência conseguem ameaçar e destruir outros que, graças ao seu engenho, arte e criatividade, pretendem dar novas formas, cores e sentido à pobre humanidade. Vítimas da mesquinhez e alvos de ódios setoriais constituem um grupo particular de seres que atraem as flechas de imbecis e a raiva de ignorantes alimentados por nacionalismos estéreis, por vezes acobertados pelos conceitos arrogantes das religiões, ou, então, deformados pelas visões doentias das tendências ideológicas. No fundo, bebem ansiosamente verdadeiros venenos com os quais as suas débeis almas, estruturadas por preconceitos básicos e simples, conseguem ver um estreito e distorcido mundo. Pobres infelizes que não sabem fazer outra coisa, apenas semear a discórdia e a provocar a violência.  Ao fim de algum tempo, habitualmente muito tempo depois, surgem pedidos de desculpa como a quererem redimir as faltas do grupo a que pertence

Desconhecidos...

A melhor maneira de conhecer a natureza humana é saber como somos vistos pelos desconhecidos. Cruzamo-nos com muitos, nunca com outros e, por vezes, roçamos com alguns, tangencialmente, como se fôssemos almas fugidias desejosas de dançar ao sabor do acaso. Seja qual for o tipo de contacto a variabilidade das reações espantam-me, em todos os sentidos, provocando emoções e sentimentos opostos que vão desde a saborosa admiração e confortante reconhecimento ao desprezo e humilhação incompreensíveis, passando pelo analgésico e comovente respeito. É preciso estar atento ou ficar à espera de qualquer notícia, mensagem ou comentário para beber tais bênçãos ou desditas. Na sexta-feira assustei-me pelo meu atrevimento ao entrar num espaço que parou no tempo, enfeitado com o mesmo mobiliário. Recuei mais de meio século. Outros protagonistas, mesmo ofício. Mesmas palavras e ditos, mesmos comportamentos e tiques. Mesmos hábitos. A velha barbearia encerrava as almas de barbeiros castiços que

Rio de águas doces...

"Porque é que deveria ter saudades tuas, ao longo de um claro rio de águas doces?" Diz o poema da bela canção. Por uma razão muito simples, apetece-me ser pagão e adorar todas as formas de vida e todo o tipo de beleza. Escrever isto num templo parece uma heresia. Mas não é, é uma forma pura de querer amar a vida mesmo que esta nem sempre nos queira bem. A vida é "um claro rio de águas doces" onde me apetece deixar embalar e seguir a sua vontade até à foz, onde o esquecimento apagará as turbulências da existência deixando apenas alguns poemas dispersos pelo vento que, apressadamente, corre sobre a corrente da sua irmã gémea até à nascente do rio e foz do vento. É uma beleza ver o claro rio de águas doces a roçar a todo o momento o suave e vibrante rio de vento que lhe afaga as suas mágoas. É uma beleza limpar a dor e o sofrimento do vento abrandando as suas angústias com águas claras e doces. Vento e água, água e vento, a correrem sem pressa para a nascente de um