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Corro...


Corro, mas não fujo, corro para poder encontrar, o quê, não sei, mas corro com uma vontade crescente de achar ou ser achado por alguém. Preciso de alguns minutos, não muitos, apenas os suficientes para sentir que vale a pena andar à cata de qualquer coisa que eu não sei muito bem o que é. Pode ser que seja apenas a vontade de procurar, mesmo que não encontre nada ou ninguém. Mas é bom, é muito apetitoso andar à procura, ou sentir essa sensação, como que a querer premiar a minha vontade. Vale a pena ter vontade? Claro que vale, é inebriante e estimula mais a alma do que beber o melhor néctar do mundo, deve ser o vinho dos deuses que me desperta a vontade de o beber. Os sentidos ficam soltos, o corpo elanguesce de prazer e o futuro desaparece sem doer. Que bom sentir a vontade, só a vontade, a vontade de encontrar mesmo que não ache nem seja achado. Não faz mal, o que interessa é experimentar essa sensação, uma, duas, muitas, muitas vezes, vezes sem conta, sem futuro, sem passado, parando eternamente no momento presente inebriando-me conscientemente como se o meu destino fosse apenas viver a infinitésima fração da existência, a minha ou de alguém perdido neste imenso universo onde futuro e passado existem sem conhecer o efeito inebriante do presente. Um presente que só alguns sabem ou conseguem saborear, mas para isso é preciso procurar, não no passado, não no futuro, mas no presente, correndo, correndo sem sair do sítio. Eu estou num dos meus sítios onde o presente para, porque eu quero que pare. Eu consigo parar o tempo. É isso, corro, corro apenas com uma vontade, poder parar o tempo, e ele, curiosamente, deixa.
O tempo entregou-se-me hoje de manhã, num bela caixa de mármore rosa. Apaixonei-me pelo relógio que há muito não deve trabalhar, nem precisa. Vejo que encerra afetos, dores, esperanças, lágrimas e sorrisos de doces e desconhecidas almas que passaram a fazer parte do futuro e eu do seu passado. É meu. Um relógio do passado que não quer o futuro para nada, nem mesmo o passado, apenas lhe interessa o presente. Eu também me interesso pelo presente, mas para isso tenho de parar o tempo. Olho para o velho relógio e o tempo não passa. Ele corre como eu, corre com vontade de encontrar algo ou alguém, mas não quer andar e eu também não. 
Damo-nos bem. 
Pois damos!

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