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Passar pela vida...


Passar pela vida sem dar conta da mesma é muito comum. Muitos dos que não dão conta da sua existência conseguem ameaçar e destruir outros que, graças ao seu engenho, arte e criatividade, pretendem dar novas formas, cores e sentido à pobre humanidade. Vítimas da mesquinhez e alvos de ódios setoriais constituem um grupo particular de seres que atraem as flechas de imbecis e a raiva de ignorantes alimentados por nacionalismos estéreis, por vezes acobertados pelos conceitos arrogantes das religiões, ou, então, deformados pelas visões doentias das tendências ideológicas. No fundo, bebem ansiosamente verdadeiros venenos com os quais as suas débeis almas, estruturadas por preconceitos básicos e simples, conseguem ver um estreito e distorcido mundo. Pobres infelizes que não sabem fazer outra coisa, apenas semear a discórdia e a provocar a violência. 
Ao fim de algum tempo, habitualmente muito tempo depois, surgem pedidos de desculpa como a quererem redimir as faltas do grupo a que pertencem, grupos que se entendem desde a nação à religião. Muitos dos intervenientes destes tipos de comportamentos autocensuram-se em nome dos mais velhos ou dos seus antepassados, como se isso fosse suficiente para por uma pedra em cima do assunto. Muitas vezes acabam por repetir as mesmas condutas através de fenómenos dos seus dias, provocando injustiças que nunca serão reparadas em tempo oportuno para as vítimas do seu desprezo e ódio. Quem vier a seguir decerto pedirá as desculpas necessárias. Um parafuso sem fim. Limpam a má consciência através dos seus descendentes. Um perpetuar de insultos, um alimentar de ódios e uma forma imbecil de passar pela vida.
Três pequenos apontamentos, entre dezenas de outros, o presidente sérvio a pedir desculpa pelo massacre de Srebrenica, o Parlamento irlandês a perdoar a conduta dos veteranos irlandeses que combateram contra os nazis em regimentos britânicos, os quais foram considerados traidores e cobardes, isto depois do governo ter pedido desculpa, e a alteração da conduta dos argelinos face ao genial Camus que criticou, e bem, os comportamentos selváticos e terroristas decorrentes da guerra da Argélia, mas que agora começa a ser admirado entre as suas gentes do norte de África. Veteranos irlandeses e Camus foram considerados como cobardes pelos seus. Mas lutar em nome da liberdade, da democracia e da dignidade dos seres humanos é ser-se cobarde? Cobardes são as pessoas mesquinhas que destilam violência, ódio e desprezo pelo seu semelhante e que passam pela vida sem saber que existem...

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