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Desconfiar

Causa-me imenso transtorno ver o que se passa em certos setores da nossa sociedade. O caso da banca é paradigmático. Como é possível ter caído numa sucessão de crises em que a falta de respeito e de confiança passaram a ser a sua imagem de marca? A banca é useira e vezeira em convencer muitos depositantes a escolher determinados produtos que "são" muito mais rentáveis do que os tradicionais e "seguros" (?) depósitos. O senhor, de idade, foi ao banco buscar aquilo que julgava ser seu. Não trouxe nada, porque tinha investido em obrigações e outras "coisas" que lhe foram sugeridas pelos funcionários do banco. Disseram-lhe que rendia mais e que de seis em seis meses receberia juros sem problemas; o dinheiro estava seguro. Sorri com tristeza, porque induzir um idoso é muito fácil. Basta colocar gente bem-falante, e devidamente treinada, sempre de gravata ou, no caso de ser uma senhora, saia e blusa bem combinadas, aspeto bem cuidado, e que, por cima, trabalha

"Raspadinhos"

Observo sem surpresa os "investimentos" nos jogos da Santa Casa da Misericórdia. Um balúrdio! Fiquei também a saber que os portugueses começaram a gastar mais na "raspadinha" do que no euromilhões. Ganha-se menos, mas ao menos sabem logo se vão ter prémio ou não. No caso dos prémios pequenos são de imediato gastos em mais raspadinhas. Não sei se não iremos assistir a uma nova patologia, não profissional, mas lúdica, a "tendinite da raspadinha". Chega a ser epidémico e muito preocupante o número de pessoas que, freneticamente, raspam, raspam, para ganhar uns euros que são logo investidos em mais cartões. No final poucos irão obter lucros. Quem ganha é a Santa Casa que lá vai dando um ou outro prémio mais "chorudo" para reforçar a ideia de que consegue fazer feliz alguns portugueses. Não estou certo disso, pelo contrário, despendem as parcas economias e caem no desejo de jogar cada vez mais, viciando-se. É muito fácil ficar dependente de qualquer j

Cinzento

Dominar o cinzento dos dias que deviam ser festivos é lutar contra a força selvagem e dominadora da vida. Não é fácil. Dói. Mesmo que queira socorrer das mais belas cores da imaginária palete, que transposto escondida no fundo da minha alma, ao tocar-lhes consigo transformar os mais quentes, sedutores e inspiradores tons no mais vulgar e ordinário cinzento, capaz de pintar as imagens da tristeza e do medo que me perseguem em certos momentos da vida. Hoje foi um desses dias. Hoje? Não! São vários os dias que me atormentam numa repetição cíclica a querer recordar que tudo gira em volta de um ponto. Tento esquecer, faço por fingir e aguardo ansiosamente o partir da angústia e do medo. Desenho quadros e vivo com intensidade o passado como a querer esconjurar o medo do futuro. Depois o medo adormece. É o momento em que as recordações desenhadas com tristeza surgem com estranha beleza; suaves, coloridas e desejadas sob o novo sentir. Tenho pena de não as ter vivido no momento certo. Pinto a

Imaginar

Correr lugares já conhecidos permite saborear velhos gostos, tempos e momentos. Faço-o com alguma frequência. Cruzo a minha vida com a de outros dos quais apenas reconheço que são portadores da essência da vida. Não sei o que pensam e quem são. Movem-se e olham em redor no momento em que passo. São pessoas obrigadas a viver e a partilhar os seus sentires. Ponho-me a imaginar quem são. Provavelmente o meu pensar não coincide com a realidade. Não importa, ficcionar é a forma mais elegante de construir a realidade desejada e não a esperada. Aprendo muito. Reconheço a minha permanente forma de tentar compreender pequenos gestos, breves acontecimentos e o circular de sentimentos anónimos e ricos em sabedoria perdida como sendo a fonte da água da verdadeira vida. Deslumbrei-me com a velha capela conhecida e consegui ver numa perspetiva diferente o arco da sua torre sineira. Vi a varanda de madeira, a fonte real, os velhos solares, os templos de muitas vidas e de muitas mais lembranças, velh

Incomodar

Aceito as opiniões de quem discorda do que escrevo. Não é difícil. Aceito não por causa dos argumentos, pobres, deficientes, tendenciosos e reveladores de uma incapacidade em compreender as diferentes visões do mundo, mas por serem manifestações naturais de seres vivos presos a preconceitos e convicções. Só não consigo compreender é a razão porque me leem, a não ser porque seja capaz de incomodar. Incomodar não é o mais importante, o que importa é tolerar, respeitar e saber amar.

Paredes velhas

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O quadro está à minha frente. Nasceu de uma lembrança, navegou numa mensagem e chegou ao conhecimento do artista. Deve-lhe ter despertado recordações e emoções em rápidas viagens de saudade ao seu passado. Não nasceu apenas das mãos do autor, surgiu da sua memória. Imagino que naquele espaço tenha sentido e vivido o que nunca mais irá sentir, ver, saborear, tocar ou olhar. A luz da manhã entraria pela janela que se fechava para o espaço envolvente enquanto se abria para a sua mente. O sol já apareceu e bateu-lhe como nos outros tempos. As cores sujas das paredes acentuaram-se durante alguns momentos como se estivesse a sorrir. O branco emergiu limpo e o amarelado intensificou-se como se fosse a cor do sol. Até o cinzento-escuro provocado pela humidade e a passagem do tempo adquiriu vida. As paredes velhas a meias com duas figuras humanas testemunham a presença de almas naquele espaço aparentemente perdido e cheio de encanto. Aves sobrevoam. Os quadros não falam mas obrigam a sentir

Migalhas doces

Assusta-me viver. À medida que o tempo rebola no universo sem fim, sinto cada vez mais vontade de saborear pequenas gotas ou migalhas doces de vidas que ainda se desenrolam perante mim. É o que faço diariamente. Encontro, ouço, vejo e sinto que o viver dos outros, seres que nunca vi, encerram em si o segredo da vida. Pequenas frases e olhares subtis explicam mais do que todas as palavras, tratados, poesias ou lições que já li ou estudei. No segredo do anonimato de uma curta conversa ou breve encontro acabo por me encontrar. Ninguém mais sabe. Não importa, outros, como eu, devem sentir o mesmo; o segredo é saber saborear a presença de alguém que sabe partilhar a poesia da vida. Simples, fugaz, profundo, colorido, sentido e tão esquecido. Não há dia que Deus bote ao mundo que não encontre alguém desconhecido que me ajude a viver. Viver assusta. No entanto, as vidas de pessoas anónimas, simples e esquecidas fazem lembrar as inúmeras espécies de flores silvestres que aparecem a qualquer m