Foi um fim de semana devastador, chuva, vento, tempestade,
destruição,
falta de luz, alteração dos hábitos, regresso a um passado não lembrado, uma sensação diferente, um esboço de anormalidade que nos faz despertar para a realidade da
fragilidade humana, dependente de tudo e de todos. Uma lição de humildade que
em breve será
esquecida. Nem os resquícios de árvores tombadas, nem o rugir dos cursos de água, nem as pedras
roladas das encostas são capazes de mudar o que quer que seja. O mundo gira a uma
velocidade louca em que o esquecimento é rei e senhor. O tempo, meio escalavrado, serve para isso
mesmo, para nos relembrar a nossa frágil e fatal perenidade. Assusta, e muito, mas ao mesmo tempo
recoloca-nos num estado de letargia, à espera de alcançar um qualquer utópico nirvana, como se tivéssemos direito à felicidade. E não temos? Não sei, nem me interessa, o que importa é viver na ilusão de que sim. Foi
tudo alterado. Ainda bem, assim, a rotina patológica do fim de semana foi lancetada e expurgada de um pus
doloroso.
O fim de semana obriga-nos a regressar à base e repor as
condições
para mais uma semana. Uma rotina que é quebrada apenas por uma ou outra notícia, quase sempre
dolorosa e triste, porque as agradáveis são consideradas como um direito, prontas a serem esquecidas
no próprio
momento.
Abro os jornais e verifico que um velho amigo meu morreu. Não é que tenha ficado
muito admirado, porque há vinte anos tinha-me comunicado o seu estado. Um estado que
augurava apenas alguns meses de vida, mas que foi negado através do tempo de uma
forma que nunca consegui compreender, mas também nunca fiz qualquer esforço nesse sentido, era o que mais faltava. Vive e deixa viver.
Já
não
o ouvia há
algum tempo. Era sempre ele que me telefonava. Telefonava-me para me convidar
para alguma reunião,
conferência,
para voltar a ocupar algum cargo social, enfim, um homem que se empenhava nas
suas tarefas de uma forma ímpar, talvez para justificar e prolongar a vida. Prolongou
até
que desapareceu.
Quando me telefonava, começava sempre pelas mesmas palavras e frases, mas sempre a rir,
como que a desculpar-se do que iria dizer e pedir. Pedia sempre e eu recusava
quase sempre. Não
se importava, e agradecia por cima. Agora, nunca mais me vai pedir nada, e eu,
também,
não
lhe vou recusar o que quer que seja. Fico apenas com a sensação de que conseguiu
sobreviver muitos anos graças ao seu empenho e dedicação à sua causa. Há coisas que nos escapam, mas nós não conseguimos escapar a certas coisas, e a morte é uma delas.
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