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Meio-dia e meia

Acabou de dar a meia hora da tarde de sábado. Preparo-me para me levantar e ir almoçar. Escrevo algumas linhas dentro de um curto período de tempo, o tempo necessário para exprimir o que sinto. Viver em certas localidades, pequenas, tem muitas vantagens, permite conhecer demasiado bem o percurso das pessoas, os seus interesses, as suas misérias, as suas personalidades, do que são e não são capazes de fazer. São livros abertos apesar de quererem guardá-los a sete chaves em gavetas vazias e transparentes. Quem quiser lê-los pode fazer mesmo sem os abrir. É fácil. Demasiado fácil. Metem medo. Escondem-se, julgam que estão libertos da intromissão de outrem, mas não. É demasiado fácil ouvir e cheirar os seus pensamentos. Alguns são humanos, onde a dor, a preocupação e o sofrimento vagueiam. É natural, dá-lhes o mínimo de estatuto da condição humana. O pior são as outras atitudes e comportamentos filhos de arquétipos ancestrais, em que a raiva, o ódio, o preconceito, o desejo de derrotar e de humilhar vivem à espera de se manifestarem. Assustam, aterrorizam, mas fazem parte de vidas que um dia acabarão por terminar sem sentido, sem glória, sem nada, a não ser que serão relembrados silenciosamente. Para onde irão não sei, talvez vaguear perdidos numa espécie de além demencial, onde não se encontrarão e nem encontrarão nada, a não ser as impressões malditas deixadas na terra. 
Oito minutos de escrita corrida que me aliviaram. O melhor é não ser reconhecido e nem ser ouvido, porque faz pouco sentido viver num meio perdido em que o pensamento é constantemente ferido.
(2014.07.26)

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