Gratidão

Gosto de apreciar os comportamentos dos animais. São, de um modo geral, admiráveis. São capazes de transmitir emoções e sentimentos. Mesmo que esteja a ser herético, julgo interpretar algumas das suas reações como manifestações superiores apenas atribuídas aos animais com alma, nós, os senhores que tomaram conta do mundo e que criaram uma hierarquia à custa dos deuses para se colocarem no topo de tudo e de todos. Enfim, uma boa estratégia. 
À minha frente, os pássaros, animais que se caracterizam por uma independência difícil de explicar, fazem a sua vida. Cantam, saltam, comem, beijam-se e tomam conta com carinho de cinco lindos ovos. O Romeu e a Julieta, que vieram substituir a fuga do Trump e da Sissi, adaptaram-se muito bem ao novo ambiente, a ponto de a Julieta começar a por ovos sem hesitação passado pouco tempo após a chegada. Não temem o cão. Viajam e dormem lado a lado sem qualquer problema. Pelo contrário, quando temos de deixar o cão sozinho em casa, digo logo, vai ficar junto dos pássaros, assim não sente que está sozinho. O espírito acentuado de caçador, que já tive oportunidade de verificar, não se manifesta contra os pássaros da casa. Curiosa atitude. 
A gatita que safámos, abandonada intencionalmente pela mãe vadia junto das escadas de uma casa, atitude inteligente, e que hoje soube ter aparecido morta numa ruela, apesar de nos ver apenas ao fim de semana, manifesta um carinho muito sugestivo, dando quase a entender que sabe o que aconteceu. Transmite à sua maneira uma espécie de gratidão. Até o cão a lambe e brinca de uma forma intensa e carinhosa, como quem diz, eu também fui adotado por eles. 
O Pipoca é danado. Tem vários tipos de reação e até de olhar. Sabe comunicar à sua maneira. Já aprendi um pouco, não a ladrar, ele também não ladra muito, exceto quando quer brincar. Torna-se um chato de primeira, e tem que ser mesmo. Mas o que eu aprecio mais é quando depois de lhe dar comer, à noite, antes de ir dormir, e muitas vezes à mão, dando-lhe a ração misturada com pedaços muito pequenos de fiambre, de forma a que os grãos saibam ao pitéu, começa a agradecer. Atira-se freneticamente à minha pessoa, mordiscando as orelhas, abraçando-me, lambendo-me o cabelo, prendendo os meus braços com as suas patas num ritual difícil de descrever e que se prolonga por alguns minutos. Todas as noites é a mesma cena, o agradecimento. Um agradecimento muito sui generis e que traduz a amizade e/ou quaisquer outros sentimentos que propositadamente não vou aqui catalogar. Chega-me a oferecer os seus brinquedos. No final deste ritual adormece em paz. 
Os animais sabem agradecer. Sabe muito bem.

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