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"Religião e vacinação"...

Desde há muito tempo que certos movimentos se caracterizam por se oporem à vacinação das suas crianças. Os argumentos são vários, mas quase sempre de natureza ideológica e religiosa. São formas de contestação curiosas, uns dizem que é antinatural, que as crianças devem apanhar as doenças, que não devem ser sujeitas a "agressões" de origem humana, que as próprias vacinas são causa de doenças e há quem defenda a "ecologia normal". Há quase sempre uma atitude de rebeldia face à tentativa de criar uma ordem em que a saúde e o bem-estar sejam realidades palpáveis. Considero que dentro da esfera médica não há nada que consiga igualar-se ao poder e alcance das vacinas. Uma das principais conquistas da civilização que já permitiu erradicar uma doença, a varíola, e até poderia erradicar mais, como é o caso da poliomielite que ainda grassa em determinadas partes do Globo por incúria e desconfiança das autoridades religiosas islâmicas que veem neste processo uma forma de est

"Debaixo de uma árvore"...

Estar debaixo de um árvore é como sentir um regresso ao ventre materno. Acolhedor, confortável, respira-se o seu próprio ar, simples, puro, por vezes perfumado com diferentes fragrâncias. Vaidosas mostram o mistério e a beleza das suas folhas, flores e frutos. Permanecem silenciosas, mas cheias de vida, prenhes de esperança, mesmo quando a doença e a morte anunciada as corroem sem dó nem piedade. Não se queixam, mas sabem absorver as nossas queixas. Obrigam-nos a lembrar episódios do passado, porque gostam de ouvir histórias. Sente-se o vibrar das suas folhas e ramos na ausência de qualquer brisa. É a sua forma de rir. As que estão na vizinhança, invejosas ou duras de ouvido, inclinam-se para as poder ouvir e sentir e agitam-se com alegria brilhante fazendo com que as suas folhas dancem sob o sol que, estranhando tamanha alegria, quer saber o que se está a passar sob as suas copas. Fica no querer. Não ouve e não vê. Quantas histórias já devem ter ouvido e sentido. Quantas! Se eu soube

"Facciosismo"...

Sou um faccioso. Ensinaram-me que tinha de pertencer a um grupo, a uma religião, a uma corrente política, a um clube de futebol e que tinha de tomar partido por um ou por outro. Na escola os rapazes faziam pequenos grupos e se não pertencêssemos a um deles levámos "porrada" de todos. Assim sempre se evitava ser agredido porque havia quem viesse em socorro. Quando pertencia a um grupo ou fação ouvia vários tipos de argumentos, eram os melhores, os superiores, enquanto os outros não prestavam, eram maus ou perigosos. Se não pertencesse ao grupo que ia à igreja diziam que era obra do diabo e que ia para o inferno, um local horrível, onde o cheiro a carne queimada deveria ser intolerável. Ouvi, algumas vezes, naquele tempo, o padre a denegrir e a ofender um coleguinha por ser filho de um pastor protestante. Como não havia mais ninguém que pertencesse aquela religião o pobre do rapaz não entrava nos nossos jogos no adro, não assistia à catequese e praticamente não brincava. Anda

"Lua"...

Ainda não é tempo para ver a mais bela lua do ano, a de agosto. Falta pouco, mais um mês e vou vê-la em toda a sua plenitude, sentir os seus encantos e beber a sua sensualidade. Hoje estou a vê-la, quase esférica, rechonchuda, alegre, a brilhar e a querer ofuscar o fim do dia. Fá-lo de forma silenciosa, despertando interiormente lembranças de outras épocas num reviver constante e sempre novo. Passeei por velhas ruelas cujas formas, modificadas e modernas, não conseguem esconder as de outrora. Elas aparecem umas atrás de outras e cada uma delas desperta sorrisos, alegrias e até velhas lágrimas. Passo por uma estreita viela onde viveu um tio meu. Lembro-me de ver naquele espaço, pobre, decadente, lembranças pictóricas da minha avó. Quadros belos, muito belos que lhe couberam em sorte de partilhas. Tenho alguns, poucos, queria mais, mas não sei onde param. Ali estiveram outros. Desapareceram para as mãos de desconhecidos. Recordo-os. Gostava de os possuir. O seu comportamento, e forma

"O primeiro dia de escola"...

Jorge entrou para a escola primária em Outubro de 1957. Um dia radiante, cheio de sol. Nas vésperas andava ansioso com a expectativa da nova experiência. Os preparativos não foram nada de especial. Uma lousa e o respetivo lápis, um caderno sem linhas com umas capas transparentes e finas, com duas imagens, um casal de crianças, ela de tranças, ele de calções e ambos com um sacola a tiracolo a correr em direção à escola com a bandeira da mocidade no mastro. O que ele gostava mais era da mala. Uma mala de cartão prensado, grená, com uma estreita tira de coro para colocar no ombro. Orgulhoso da mala, deixaram-no no recreio com os outros meninos, uns tão novatos como ele, os restante eram verdadeiros veteranos, alguns muito crescidos para andar na escola, pensou. Descalços, a maioria, um ou outro com umas pobre sandálias ou tamancos e quase todos com sacas de pano, quase sempre de serapilheira, onde guardavam a lousa, invariavelmente partida, e um naco seco de boroa. Olhavam para o menino

"Navegar"...

O trabalho amolece o corpo e esgota o espírito. Se juntar o efeito do sol e o peso da idade, então, tudo combinado provoca uma sensação estranha de cansaço e de saturação que me obriga a fazer algo que contrarie tamanhos efeitos. Aproveitei a tarde para procurar um bálsamo ou uma mistela que me ajudasse a encontrar repouso e tranquilidade. Sempre que necessito desta terapêutica, e caso possa, mete-mo no carro e vou sem destino. Para a direita ou para a esquerda? Não percebi. Perguntou-me novamente, para a direita ou para a esquerda? Sem entender bem o alcance da pergunta, respondi, para a direita. Anda bem, porque ao fundo da rua houve um acidente. Avancei e de facto vi dois carros enfaixados num entroncamento. O habitual na minha rua. Continuei e fui por velhos caminhos conhecidos, rememorando as velhas paisagens que sempre se vão modificando pela ação do tempo e do homem. Andar sem  objetivo é uma forma de acalmar e domesticar o tempo e, também, uma tentativa simpática de rejuvene

"Candidato à loucura"...

Jorge Montagrão foi sempre um candidato à loucura, mas, por mais que quisesse e fizesse nunca conseguiu alcançar esse estatuto, antes pelo contrário, cada vez ficava mais lúcido e entristecido com a porra da vida. Entendia – quem sabe se não tinha algum fundamento? -, que a melhor forma de viver era na loucura, um verdadeiro paraíso em que não tinha que justificar a existência, saber de onde vinha e para onde ia, tudo porque desde muito cedo começou a desconfiar das patranhas que ouvia aqui e acolá. Os adultos não eram grandes merecedores de confiança. Uns aldrabões. Muitos eram especialistas em sacanices e trafulhices, se bem que alguns tudo fizessem para ser boas pessoas, compreensíveis e meigas. Quanto a estas sentia alguma afinidade e até desejo de protecção. Mas estes assuntos não são para abordar agora, talvez mais tarde, haja tempo e disposição. Sim, porque para falar de certas coisas não basta querer é preciso sentir e sem uma boa dose de loucura não é fácil. Pode ser que alg