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"Ansiedade"...

Há dias em que a ansiedade esmaga dolorosamente as vísceras, importunando e confundindo a alma, que começa logo com tremores fruto de um estranho frio que o calor do verão não consegue apagar. Há dias em que a simultaneidade de acontecimentos perturba as lembranças e os factos, misturando-os, e dificultando o discernir de cada um deles. A ansiedade e a tristeza de uma memória são obnubiladas pela preocupação do momento. O passado e o presente misturam-se em ondas de angústia e de tristeza com cores diferentes. As formas desaparecem e misturam-se, criando outras, diferentes, como se cada uma quisesse diminuir a dor da outra. Sentir é viver. Viver é recordar. Recordar é apagar. Mas eu quero lembrar-me, talvez amanhã ou daqui a alguns dias. Vou recordar, porque não é todos os dias que os outros se lembram de mim. Hoje lembraram-se. Eu também vou lembrar-me, pena que as lembranças do passado e a inquietação do presente não me tivessem deixado perceber o que aconteceu. Vou recordar, amanhã

"Sábado e uma água fresca"...

Sabe bem estar sentado na esplanada numa tarde de sol não muito quente. Sabe bem ser acariciado por uma brisa nervosa e beber uma água fresca. Sabe bem estar sentado numa esplanada e ver o ar limpo, de uma transparência primaveril, apesar do avizinhar do outono. Um estertor estival a querer marcar o fim anunciado do verão. O sol, cansado, começa a descair no céu. Sabe bem estar sentado numa esplanada, numa tarde de sol, com uma brisa nervosa a acariciar-me e a beber uma água fresca. Sabe-me bem, despertam agradáveis sensações e permitem-me sonhar com a tranquilidade, que foge sempre que a procuro. É uma deusa ou é um demónio? Não sei, nem me interessa, só sei que é mesmo desejada. Sabe bem beber uma água fresca. Sabe bem estar sentado numa esplanada numa tarde de sol. Sabe bem ser acariciado pela brisa nervosa e sabe ainda melhor pensar que a tranquilidade tão desejada possa aparecer quando o sol se deitar ou o outono chegar. Sabe bem. Sabe bem desejar. Sabe bem esperar.

"Templo"...

Entrei no templo ao final da tarde. A mistura de sol, sombra e ar fresco não me incomodou, empurrou-me delicadamente para a entrada. Fiquei encostado à parede. Olhei e não havia lugar para mim. Fiquei. Tinha de ficar. Olhei e abarquei todo o espaço. Olhei e vi em toda a plenitude o velho templo repleto de pessoas. Olhei e recordei. Saiu daquele espaço há um ano, num dia gémeo ao de hoje, o sol era o mesmo, a brisa também e a claridade do ar, testemunha da pureza dos sentimentos de uma alma que partiu, vestiu-se com as vestes da tristeza. Fiquei. Assisti. Tinha que ficar. Tinha que assistir. Olhei e abarquei o meu passado. A mesma atmosfera, os mesmos santos, o mesmo encanto e a mesma beleza. Os pensamentos, esses não, mudaram, tinham que mudar, mas quiseram recordar outros, velhos, ingénuos, assustadores, agora transformados em saudade. Olhei para o altar e vi as duas portas que lhe dão acesso. Estou longe no espaço do templo e muito perto no tempo longínquo. Nunca me atrevi a passar

"Um ano"...

Foi há um ano, mas parece ter sido ontem ou, então, parece que nunca aconteceu. Não sei descrever o fenómeno, longe e perto no tempo ao mesmo tempo. Recordo o que o tempo ainda me vai deixando recordar até o dia em que nunca mais me vou lembrar. As memórias nascem, vivem e morrem. Não precisam de corpos, alimentam-se deles, até que o pó ou as cinzas as varrem do mundo. Memórias que fogem para o espaço frio onde navegam à deriva à procura de outras memórias, as dos que não partiram, para que juntas possam descansar em paz. Viver em paz é viver na memória.

"Pedidos a Jesus"...

Comparar uma criança a um livro é testemunhar a criatividade, a inspiração, os dotes e o caráter do novo ser. Não precisa de prefácio, entra-se de imediato na escrita, com uma introdução atabalhoada, desgarrada, com sons dispersos, olhares interrogadores e sorrisos de tranquilidade. Ao fim de algumas páginas de leitura ficamos na mesma, não se sabe o que é que vai sair dali, qual a história e o enredo da nova vida. As palavras começam a surgir, as frases adquirem corpo e o sentido da existência balanceia entre a fantasia e a realidade. Escrevem muito depressa, todos os dias surgem com novos conhecimentos, alguns ensinados, e muitos aprendidos, para não falar dos que vão construindo graças à sua imaginação e interpretação do meio que vão conhecendo. Precisam de papel e de tinta, coisas que não faltam por estas bandas. Dá-me particular prazer vê-los a escrever os seus próprios livros. Cada um com o seu estilo, a mais velha introspetiva, sensata, silenciosamente criativa e espiritualmen

"Cedinho"...

Passava pouco das sete quando o telemóvel começa a tocar. Horas impróprias é habitualmente sinal de alarme. Sonolento, levantei-me para atender, começando a preparar o "interior" para o impacto de uma má notícia. - O que será desta vez? Do outro lado, uma vozita fresca começa com uma alegria indescritível. - Vovô! Sabes o que é que o Jesus me deu? Dois póneis. Dois! Um amarelo e o outro cor-de-rosa. Estás a ouvir, vovô? Eu estava e ao mesmo tempo tentava compreender o fenómeno afastando a angústia de uma má notícia. Não me foi difícil perceber o que é que estava a acontecer. Apareceu-lhe, debaixo da almofada, o pedido que tinha feito ao Jesus no dia anterior. Depois a conversa continuou, como é natural. A mocinha fala que se desunha e, então, hoje, inundada de felicidade, como é compreensível, distendeu a história com todos os pormenores visíveis e não visíveis. - Depois mostras-mos? - Claro, mas só à tarde depois de sair da escolinha. - Olha, um dia feliz para ti, está bem?

"Outono e outonos"...

É  interessante a forma como o homem divide o tempo da sua existência. Decalca-a da passagem do tempo da natureza. Uma das fases que o entristece é o seu outono, altura em que as forças começam a enfraquecer apesar do brilhantismo multicolor da vida que, num ato genuíno da natureza, se manifesta através de vermelhos, castanhos, amarelos e dourados capazes de fazer inveja ao ouro. Tudo enfraquece, sobretudo as capacidades de defesa. Tantos anos de vida e tantos erros acumulados. Não há meios para enfrentar tantas necessidades de reparação. O sistema nobre do nosso corpo, o sempre vigilante sistema imunológico, não consegue, a partir de certa altura, dar resposta a tudo. Logo, as doenças surgem, sobretudo as degenerativas, tão típicas das idades mais avançadas. Proteger o sistema que nos defende poderia ser a solução para grande parte dos males, mas, felizmente - não é erro, não! -, ele tem de passar pelo outono para terminar no inverno da vida, mas o mais tarde possível, já que temos d