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Silêncio cinzento

Sinto saudades de escrever sobre o que não sinto. Gostava de escrever sobre o calor, o odor e a dor da cor. Escolher uma e espalhá-la numa superfície branca. Depois, num silêncio cinzento, poder  vê-la a escorrer lentamente, acariciando-a como se os meus dedos fossem pincéis capazes de desenhar frases de um futuro sem sentido. Ver as palavras a nascer, como se fosse o sexto dia da criação, cria a mais estranha ilusão, a transformação num deus sem paixão.

Dois Cristos

Não me recordo quando fui àquele local pela primeira vez. Vila muito velha com interessantes laivos de beleza natural e humana. Registei vários apontamentos, senti o odor do esquecimento e a ternura do passado cheio de dor e de amor. Sedução ditada por paisagens diferentes, cheias de loucas paixões. Vi uma loja de antiguidades. Olhei para o interior repleto de coisas interessantes, mas estava fechada. Sempre que me deslocava à vila de Frei Gil esbarrava na porta. Cheguei, inclusive, a ir com o objetivo de adquirir algo que me interessasse. Nada. Desisti. Passei a viajar sem outro propósito que não fosse a descoberta e deliciar-me com os encantos das atmosferas natural e humana. Vou quando me dá na real gana. É como visitar um passado conhecido sem saber as razões. Um dia, sem pensar, esbarrei na vila escondida cheia de tesouros. A loja de antiguidades estava aberta. Entusiasmei-me com as expectativas. Fui avisado para ter tento na mona, não fosse adquirir mais uma peça; "já não

Lágrimas de São Lourenço

Mudei de posição. Agora olho para o céu distante em direção a Perseus. Dali costuma sair traços brancos a quererem pintar o céu. Estamos na época em que chove belas estrelas cadentes. Mais de metade da constelação já subiu no horizonte. O casario rouba-me parte do espaço, mas mesmo assim confio que surja uma ou outra estrela cadente. Habituei-me, em pequeno, nesta altura do ano a vê-las. Às vezes não apareciam. Perguntava onde é que elas estavam. Diziam-me para ter calma, pois elas nunca deixavam de aparecer. - Como é que tu sabes, avó? - A minha mãe e a minha avó sempre me disseram que elas aparecem nesta altura do ano. - Porquê? - Não sei bem. Dizem que são as lágrimas de um santo. - De um santo? - Sim. De São Lourenço. - É assim que um santo chora? - Pelos vistos! - O que é se faz quando se vê uma? - Pede-se um desejo. - Hum! Calava-me e colocava os braços na varanda à espera de de ver uma. Nada. O tempo passava e nem uma estrela. O sono apertava e nenhuma aparecia. Até que de re

Gado do vento

São pequenas coisas ou inesperados acontecimentos que conseguem dar sentido à vida e alegrar, nem que seja por breves momentos, a alma. Ao revisitar Portalegre vi com olhos de ver o frondoso e velhinho plátano. Sob a sua copa muito coisa aconteceu, se disse e se prometeu. Ainda bem. É uma espécie de alforge que guarda religiosamente algumas preciosidades. Um dos seus frutos é uma publicação com a designação "Plátano". Uma revista crítica e literária publicada como deve ser, sem periodicidade, ao sabor do tempo. Como soube da sua existência, pensei, gostaria tanto de adquirir algum exemplar. No último dia passei por uma velha livraria e papelaria. Na montra havia exemplares de alguns números. Entrei e pedi à simpática e conversadora senhora se tinha alguns para vender. - Tenho, pois! Aqui estão. Pode levá-los todos. E os números que faltam, se lhe interessar, claro, farei tudo o que puder para os arranjar. Fiquei com todos. Sabia que no meio daquelas obras iria aprender mui

Varandas de ocasião.

Numa noite suave e delicada de verão sinto a tranquilidade das conversas do serão. O tempo para, o tempo recua, a alma sonha, a alma recorda tudo o que viveu desde então. Outras noites emergem nesta noite cantando e dizendo o que sentiam no coração. Recordo muitas delas e imagino aquelas que nunca dirão. Não estão aqui, mas é como se estivessem. Ouço o calor e a languidez das conversas, histórias e vivências cheias de tradição, sempre ao som do sino e do cantar das cigarras loucas e frenéticas com o cheiro do verão. Sentado à varanda recordo outras varandas. As varandas foram feitas para esta ocasião, lembrar o passado e sossegar o estranho momento do dia da ressurreição. Ressuscita a esperança, a saúde, a alegria e a inspiração de quem nunca soube o significado da criação. Cada um escreve a sua oração de acordo com o momento e o desejo de ser escravo da sua própria ilusão. Interromperam-me este momento de escrita. Chamaram-me da rua para a minha varanda. Por favor venha ver a senho

Cartazes

Acompanhar determinados acontecimentos ajuda-nos a compreender melhor a natureza humana, o caráter de alguns protagonistas, as suas aspirações e desejos. Não é difícil de compreender. É natural, embora finjam que são pessoas honestas e que querem o melhor para o país. Usam as palavras para provocar. Ao despertar sentimentos naturais, que a maioria quer corrigir e eliminar, pretendem tomar conta dos nossos destinos e do poder. Nada a opor, pelo contrário, é uma forma de contribuir para a solução de muitos problemas. Se tudo for feito com lisura, verdade e vontade inequívoca de melhorar a vida dos outros temos que aceitar e aplaudir a diversidade e os vários caminhos que podem levar a alcançar o mesmo objetivo. Mas as coisas não são assim. Nunca foram. Há um desejo, uma vontade intrínseca de ganhar e dominar usando o que não é correto, meios, atitudes e palavras que não correspondem à verdade. A mentira é o instrumento mais utilizado e com mais sucesso para alcançar os diversos fins ape

Não sei...

Não sei. Não sei se há algum ser que me empurra para certos locais. Não sei. Só sei que mudo mais facilmente que o vento. Só sei que cheiro no momento o local para onde ir. Não sei como acontece. Só sei que me deixo levar pelo calor, pela brisa, pelo som, pela lembrança, pelo desejo ou pela vontade do mundo embriagado à espera de ser adorado. Não sei. Só sei que nos cruzamentos, haja ou não alminhas, deixo-me irá atrás do nada, como se a inspiração fosse um enorme vento desejoso de enfunar as minhas velas do saber e do prazer. Assim foi. Assim tem sido. Encontro paraísos cheios de obras de encantar e de desafiar. Encontro espaços. Encontro tempos. Encontro saudades. Encontro o que quero encontrar mesmo sem saber a razão. Depois tento fazer a digestão. Difícil? Não! Rica em sensações e desejosa de mais emoções, alimenta-me com lembranças, imagens, sons, afetos escondidos, tragédias e amores, tudo metido sem qualquer ordem em cestos de arte e em poços de vidas.  Encho-me sem pensar, i