Lágrimas de São Lourenço


Mudei de posição. Agora olho para o céu distante em direção a Perseus. Dali costuma sair traços brancos a quererem pintar o céu. Estamos na época em que chove belas estrelas cadentes. Mais de metade da constelação já subiu no horizonte. O casario rouba-me parte do espaço, mas mesmo assim confio que surja uma ou outra estrela cadente. Habituei-me, em pequeno, nesta altura do ano a vê-las. Às vezes não apareciam. Perguntava onde é que elas estavam. Diziam-me para ter calma, pois elas nunca deixavam de aparecer. - Como é que tu sabes, avó? - A minha mãe e a minha avó sempre me disseram que elas aparecem nesta altura do ano. - Porquê? - Não sei bem. Dizem que são as lágrimas de um santo. - De um santo? - Sim. De São Lourenço. - É assim que um santo chora? - Pelos vistos! - O que é se faz quando se vê uma? - Pede-se um desejo. - Hum! Calava-me e colocava os braços na varanda à espera de de ver uma. Nada. O tempo passava e nem uma estrela. O sono apertava e nenhuma aparecia. Até que de repente surgiu uma, brilhante, azulada, a rasgar e a iluminar em silêncio o céu durante muito tempo. Pareceu-me que ia cair atrás do viaduto. Saltei e gritei: - Ali vai uma! Ali vai uma! Caiu. Caiu atrás do viaduto. Vou buscá-la. Vou buscá-la. Levantei-me e comecei a correr para a porta. Gritou-me: - Espera. Anda cá. Para onde é que vais? Não vás. Não podes ir buscar a estrela. Olhei para a minha avó e disse-lhe: - Mas é tão bonita, brilha, tem luz e é azulada. Porque é que não posso ir buscá-la? - Não se pode tocar numa estrela cadente. - Mas porquê? - Porque se alguém lhe tocar nunca mais podemos pedir nenhum desejo. Tu queres que as pessoas deixem de pedir desejos às estrelas cadentes? - Não. - Então senta-te aqui. Assim fiz. Passado algum tempo perguntou-me: - Fizeste algum pedido à estrela? Pensei um bocado e respondi: - Não. Esqueci-me. Era tão bela que nem me lembrei. - Pois. Fizeste asneira. Aquela era mesmo das grandes e quanto maior for maior pode ser o desejo. - Que pena. Disse-lhe. - Mas lembra-te de uma coisa, nunca podes dizer a ninguém qual foi o teu pedido, só o próprio pode saber. - Está bem. Desde então ando à procura de uma igual. Já vi muitas, mas como aquela nunca mais vi nada parecido. Agora, noite de São Lourenço, coloquei-me em posição de as ver. Continuo na esperança de poder saborear uma como aquela que eu vi em pequeno. - Para quê? Para fazer o meu pedido.

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