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Pêndulo

Celebro no silêncio a descida às profundezas de uma noite vazia e sem cheiro. Ouço no corredor o pêndulo do velho relógio. Oscila sem se importar comigo e com o tempo medido. Estranha combinação, o som de um pêndulo e o silêncio vestido de negro de uma noite vazia e sem cheiro.

Minguar

Gosto dos dias longos. Preferencialmente quando começam a crescer. Sentir mais dois minutos de dia é suficiente para acreditar no prolongamento da vida que se arrasta atrás da luz do sol como se fosse a bela cauda de um cometa. O pior é quando os dias começam a minguar. Assustam-me. É nesta altura do ano que dou conta, com particular desilusão, o envelhecer do ano. Já vi as folhas dos plátanos amarelas. Começam a cair e a tristeza começa a invadir-me. É a morte lenta que me apoquenta. Durante a tarde finjo que está tudo bem, o pior é o mergulho cada vez mais rápido do sol atrás das montanhas. Sinto que me rouba muitas ilusões, deixando no ar, num rasto anilado, o vazio e a melancolia. Viver neste mundo é aflitivo. Não há forma de o mundo crescer ou rejuvenescer. Sempre os mesmos problemas, as mesmas torturas, os mesmos males, as mesmas mortificações, os mesmos ódios, as mesmas vinganças e as mesmas promessas de deuses invejosos e sem caráter, que alimentam de prazer os seus adoradore

Pensamento

Não há palavras, nem quadros, nem esculturas, nem versos, nem orações, nem desenhos, nem contemplações que consigam expressar o pensamento. Não há nada, pedra, argila, gesso, ouro, prata ou obsidiana. Nada que consiga dar forma, sentido ou vida ao pensamento. Nada. Apenas o silêncio do esquecimento, que a morte oferece a qualquer momento.

Pequenas frases numa noite fria...

Os políticos falam, dissertam e oferecem esperanças de novos dias embrulhados em velhas andanças. Não os ouço. Tiro-lhes o som e tento ler nos seus rostos as linhas de algum encanto, mas o que vejo são eternos cantos de sereias a quererem emudecer o mundo de espanto. Tirei-lhes o som. Desencantei belas melodias de Billie Holiday. Agora enchem de prazer o espaço vazio. Lá fora prosseguem os festejos, frios, mas talvez aquecidos pelo vinho envelhecido de uma noite sem história e vazia de sentido. Também não os ouço, prefiro o silêncio cheio de encanto na noite adormecida de um dia santo. As melodias levam-me a divagar e a imaginar histórias curtas e expeditas de dias simples. Dias que querem imitar as minhas adoradas estrelas cadentes. São histórias que não querem fazer parte da história, são apenas pequenos acontecimentos repletos de memórias vazias que querem sonhar por breves instantes. São pequenas frases interessantes ditas por muitas pessoas, que alimentam, sem saber, a fome do te

Poeta desconhecido

Aprecio gente desconhecida, sem nome, sem terra, sem raízes, sem destino, sem deus, sem esperança, apenas escorraçados pela vida. São os "esquecidos da vida", mas são eles que dão significado e algum colorido ao triste sonhar e alegre pensar. Andei pelo sul, bati ruelas e pracetas, entrei em museus e templos, e comprei livros, alguns tão desconhecidos como a gente desconhecida de quem falam. Foi assim que soube quem era José Duro, um poeta, um enjeitado nascido em 1875. Não aceitou mais tarde o apelido da mãe, quando o legitimou. Adotou "Duro", talvez por antever o que a vida lhe prometia, talvez por ser o apelido do pai, não interessa, o que importa é que a vida foi dura e ladra retirando-lhe o folegar aos vinte e três anos através do bacilo com que a morte ceifava a existência de muitos nos tempos de então. Embrenhei-me na descrição do moço que soube expressar a dor e os seus sentimentos como ninguém. Um poeta que merece a primazia no reino da poesia. Alguns já

Rei de almas de lei...

Ando sem parar à procura do meu destino. Volto vezes sem conta a locais vividos e nunca esquecidos. Sobressai na minha mente muitos apontamentos, distantes, secos, quentes e mirabolantes. Apenas desejo rever e encontrar o que não foi visto antes. Fui e encontrei. Entrei no belo recinto cheio de almas estranhas, agarradas às pedras quentes e desesperadas por falar durante alguns instantes. Vivem e sonham perdidas. Não falam umas com as outras, apenas conseguem sussurrar aos ouvidos de alguns mortais que procuram desesperados algum sentido para explicar o mundo perdido. Entrei e vi. Entrei e ouvi. Entrei e imaginei. Saí e falei. Doces momentos. Palavras soltas e olhares invisíveis percorreram o meu corpo, ouvindo o que eu sentia. Pediram-me para que eu dissesse o que queriam. Disse-lhes que sim, que iria contar o que ouvi, ou melhor, o que senti. Senti que aprendi, naquele espaço silencioso, onde o murmurar da água é uma constante, o significado de muitos cantares da vida escondida ma

Dia

Todos os dias são diferentes embora possamos pintá-los de acordo com as nossas emoções e lembranças. Desenho nuvens brancas e sedosas e vejo apenas nuvens escuras e tenebrosas. Pinto um céu azul e tranquilo e vejo apenas um céu cinzento e raivoso. Tento imitar os contornos de montanhas sorridentes a banharem-se no ouro do novo dia e vejo apenas recortes graníticos indiferentes às dores dos penitentes. O que desenho é a imagem negra do meu espelho. Deixo de desenhar; passo a sonhar. Abro a janela e aspiro o ar da manhã. Não saboreio nenhuma frescura, apenas sinto na pele as lágrimas de quem chorou durante a noite. Olho para o horizonte e vejo os contornos da serra a gritar pelo passado dos que não tiveram sono. O céu virou-lhe as costas e deixou adormecer nas suas encostas, lamentos, sorrisos, tristezas e saudades de quem viveu e vive sem saber o que dizer e fazer. Tantas lamúrias, tantas doçuras, tantas palavras quentes e tantos silêncios frios de seres ausentes. O dia apaga-se trist