Pequenas frases numa noite fria...


Os políticos falam, dissertam e oferecem esperanças de novos dias embrulhados em velhas andanças. Não os ouço. Tiro-lhes o som e tento ler nos seus rostos as linhas de algum encanto, mas o que vejo são eternos cantos de sereias a quererem emudecer o mundo de espanto. Tirei-lhes o som. Desencantei belas melodias de Billie Holiday. Agora enchem de prazer o espaço vazio. Lá fora prosseguem os festejos, frios, mas talvez aquecidos pelo vinho envelhecido de uma noite sem história e vazia de sentido. Também não os ouço, prefiro o silêncio cheio de encanto na noite adormecida de um dia santo. As melodias levam-me a divagar e a imaginar histórias curtas e expeditas de dias simples. Dias que querem imitar as minhas adoradas estrelas cadentes. São histórias que não querem fazer parte da história, são apenas pequenos acontecimentos repletos de memórias vazias que querem sonhar por breves instantes. São pequenas frases interessantes ditas por muitas pessoas, que alimentam, sem saber, a fome do tempo.  
Retiro o velho livro negro que se ilumina de vermelho. Leio as pequenas frases colhidas nas redes da pescaria das conversas antes do meio-dia. É um período interessante, as pessoas picam em tudo o que mexe e cheire. Sorrio. Talvez seja efeito do almoço que se avizinha.
A senhora, de cigarro na mão, mas que mais parece um calatrão, solicita o favor da empregada de mesa, que lhe responde num ato de elevadíssima consideração: - Siiiiiim professora! - Credo! Pensei. Não tinha passado vinte segundos sobre o comentário a propósito de algo sem importância para a sua companheira de mesa: - Olha lá, mas tu já dissestes isso! Ainda bem que está reformada, porque corria o risco de continuar a ensinar asneiras.
Cruzei-me nas minhas andanças com um amigo que acabou de se aposentar. Crítico do poder local e satisfeito pela nova situação atirou-me com o mais espantoso sorriso malandro: - Estes não ficam cá para comer as filhoses! Isto para não falar da falta de visão de alguns: - Sabe o que lhe digo, o fulano não vê um boi numa reta! Sorri. É bom sorrir antes do almoço, sempre prepara o estômago para a digestão. Claro que as pequenas conversas, chalaças, ditos e comentários surgem quando menos se espera. A conversa sobre os cornudos da terra é uma constante que está sempre a ser atualizada. Neste entrementes, houve alguém que comentou a tirada de um indivíduo cuja mulher não foi abençoada pela natureza em termos de beleza e que a propósito da manada de cornudos atirou uma vez no decurso de uma conversa sobre o tema: - A mim, se me puserem cornos, só se for por vingança. Foi o único intervalo que fez, continuando a beber languidamente a sua cerveja.
Como estou a "ir para a idade", o melhor é parar por aqui e esperar por melhores horas de dia para as contar. Entretanto, vou continuar a ouvir as melodias de sonho à espera de sentir as boas-vindas do sono que tarda em chegar...

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