Avançar para o conteúdo principal

Minguar


Gosto dos dias longos. Preferencialmente quando começam a crescer. Sentir mais dois minutos de dia é suficiente para acreditar no prolongamento da vida que se arrasta atrás da luz do sol como se fosse a bela cauda de um cometa. O pior é quando os dias começam a minguar. Assustam-me. É nesta altura do ano que dou conta, com particular desilusão, o envelhecer do ano. Já vi as folhas dos plátanos amarelas. Começam a cair e a tristeza começa a invadir-me. É a morte lenta que me apoquenta. Durante a tarde finjo que está tudo bem, o pior é o mergulho cada vez mais rápido do sol atrás das montanhas. Sinto que me rouba muitas ilusões, deixando no ar, num rasto anilado, o vazio e a melancolia.
Viver neste mundo é aflitivo. Não há forma de o mundo crescer ou rejuvenescer. Sempre os mesmos problemas, as mesmas torturas, os mesmos males, as mesmas mortificações, os mesmos ódios, as mesmas vinganças e as mesmas promessas de deuses invejosos e sem caráter, que alimentam de prazer os seus adoradores sedentos de poder.
Os dias minguam, mas a violência, o ódio e a raiva aumentam a cada dia que passa. Acompanho o ciclo do ano, uma dança triste que não consegue esconder o que se passa na estapafúrdia cabaça, a quem chamam terra, que ameaça os que têm de beber o fel da vil taça.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Fugir

Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite.  Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.

Nossa Senhora da Tosse

Acabei de almoçar e pensei dar a tradicional volta. Hoje tem de ser mais pequena para compensar a do dia anterior. Destino? Não tracei. O habitual. O melhor destino é quando se anda à deriva falando ao mesmo tempo. Quanto mais interessante for a conversa menos hipótese se tem de desenhar qualquer mapa. Andei por locais mais do que conhecidos e deixei-me embalar por cortadas inesperadas. Para quê? Para esbarrar em coisas desconhecidas. O que é que eu faço com coisas novas e inesperadas? Embebedo-me. Inspiro o ar, a informação, a descoberta, a emoção, tudo o que conseguir ver, ouvir, sentir e especular. Depois fico com interessantes pontos de partida para pensar, falar e criar. Uma espécie de arqueologia ambulatória em que o destino é senhor de tudo, até do meu pensar. Andámos e falámos. Passámos por locais mais do que conhecidos; velhas casas, cada vez mais decrépitas, rochas adormecidas desde o tempo de Adão e Eva, rios enxutos devido à seca e almas vivas espelhadas nos camp...

"Salvem todos"...

Tenho que confessar, não consigo deixar de pensar nos jovens aprisionados na caverna tailandesa. Estou permanentemente à procura de notícias e evolução dos acontecimentos. Tantas pessoas preocupadas com os jovens. Uma perfeita manifestação de humanidade. O envolvimento e a necessidade de ajudar os nossos semelhantes, independentemente de tudo, constitui a única e gratificante medida da nossa condição humana. Estas atitudes, e exemplos, são uma garantia que me obriga a acreditar na minha espécie. Eu preciso de acreditar. Não invoco Deus por motivos óbvios. Invoco e imploro que os representantes da minha espécie façam o que tenham a fazer para honrar e dignificar a nossa condição. Salvem todos, porque ao salvá-los também ajudam a salvar cada um de nós.