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Poeta desconhecido


Aprecio gente desconhecida, sem nome, sem terra, sem raízes, sem destino, sem deus, sem esperança, apenas escorraçados pela vida. São os "esquecidos da vida", mas são eles que dão significado e algum colorido ao triste sonhar e alegre pensar.
Andei pelo sul, bati ruelas e pracetas, entrei em museus e templos, e comprei livros, alguns tão desconhecidos como a gente desconhecida de quem falam. Foi assim que soube quem era José Duro, um poeta, um enjeitado nascido em 1875. Não aceitou mais tarde o apelido da mãe, quando o legitimou. Adotou "Duro", talvez por antever o que a vida lhe prometia, talvez por ser o apelido do pai, não interessa, o que importa é que a vida foi dura e ladra retirando-lhe o folegar aos vinte e três anos através do bacilo com que a morte ceifava a existência de muitos nos tempos de então.
Embrenhei-me na descrição do moço que soube expressar a dor e os seus sentimentos como ninguém. Um poeta que merece a primazia no reino da poesia. Alguns já escreveram e falaram sobre a sua breve vida e curta obra. Fiquei aprisionado a alguns poemas e consegui adquirir a sua obra dourada a dor, "Fel", publicada poucos dias antes da sua morte. Li o livro de um fôlego. É pequeno e muito grande em sensibilidade. Poemas profundos em que a vida de alguém se inscreve nos versos, na morte, na dor e na vontade de despertar as sensibilidades de quem o consiga ler. É bom que seja lido. É bom que passe a ser conhecido. Quem ganha? Os que o lerem. Ele, o poeta, não. Nunca pretendeu ser conhecido. Apenas quis esquecer a vida, a dor e a morte. Conseguiu. Há quem, no prefácio, cite um autor francês, segundo o qual, "os mortos esquecem depressa". Ainda bem. O objetivo da morte é esse mesmo, "esquecer depressa", mas o que me inquieta mais são os vivos que esquecem depressa, e à pressa, infelizmente. É pena, porque se pode aprender muito com os "desconhecidos".
De todos os poemas que li tocou-me de forma particular "Doente".
"...Porque a verdade é esta: a vida que se arrasta/Do Nada até à flor, do verme até à pedra,/É sempre a mesma vida incómoda nefasta.../Que Dor do Universo em toda a parte medra..."

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