Dia

Todos os dias são diferentes embora possamos pintá-los de acordo com as nossas emoções e lembranças. Desenho nuvens brancas e sedosas e vejo apenas nuvens escuras e tenebrosas. Pinto um céu azul e tranquilo e vejo apenas um céu cinzento e raivoso. Tento imitar os contornos de montanhas sorridentes a banharem-se no ouro do novo dia e vejo apenas recortes graníticos indiferentes às dores dos penitentes. O que desenho é a imagem negra do meu espelho. Deixo de desenhar; passo a sonhar. Abro a janela e aspiro o ar da manhã. Não saboreio nenhuma frescura, apenas sinto na pele as lágrimas de quem chorou durante a noite. Olho para o horizonte e vejo os contornos da serra a gritar pelo passado dos que não tiveram sono. O céu virou-lhe as costas e deixou adormecer nas suas encostas, lamentos, sorrisos, tristezas e saudades de quem viveu e vive sem saber o que dizer e fazer. Tantas lamúrias, tantas doçuras, tantas palavras quentes e tantos silêncios frios de seres ausentes.
O dia apaga-se triste, sem queixas e sem lamentos. Em silêncio, porque há dias desejosos de perder a memória.

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