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Viagem

Surpreende-me o sentido das viagens. São formas de viver o que não somos, talvez sejam imagens fantasiosas do que deveríamos ser. A mente, deserta, espreguiça-se na languidez temporária de discursos que fogem ao trivial, ao dia-a-dia, às coisas que são o habitual, o gastar do tempo da vida. Uma mera ilusão. No fundo, sinto o clamor do banal, aquilo de que é feita verdadeiramente a vida, uma sequência contínua de pequenos dramas, magras alegrias, esperanças vazias e esquecimentos dos tormentos que o futuro, desdentado, sem alma, e sem tolerância, sabe ou deseja oferecer. As viagens, sejam curtas ou não, ajudam-me a compreender, de longe, o significado do regresso, voltar a uma forma de ser e de estar que acaba por cansar.

Abraço esquecido

Tantas nuvens. Parecem diferentes das habituais. Há quem as considere como recém-nascidas. O mar em redor é a sua maternidade. Silenciosa, a planície deixa transpirar um ou outro suspiro trazido pela suave e brilhante ondulação. Se não se mexesse quase que diria que era um espelho onde as nuvens veriam a mãe antes de irem ao encontro do seu destino. Andam aos trambolhões. Começam a ficar mais espessas, enchem-se de recordações. Um dia destes irão lançar as suas saudades contras as janelas onde correm as lágrimas tristes de muitos corações. Nessa altura sentirão desejo de se abraçarem. Ficar-se-ão pelo desejo. As lágrimas do mundo não se misturam com as lágrimas de gente. Aí vão elas, como se fossem aves de arribação. Vão, mas quando voltarem virão de rastos palmilhando o chão da infelicidade. Nessa altura, arrastarão também as lágrimas de gente. Abraço desejado? Não. Abraço esquecido.

O pôr-do-sol

É interessante tentar compreender o que os outros pensam através dos seus escritos ou falas. Mesmo que tente é impossível conhecer a verdadeira dinâmica dos seus pensamentos. Umas vezes julgo que deverão ser tesouros, outras não, parecem ser caixas de falsidades, de disparates, de bondades e, até, de vontades escorregadias construídas ao sabor de regras e princípios que os devem ajudar a posicionar-se neste mundo desequilibrado e a confiar num qualquer deus que nunca falou, ensinou, gritou ou amou. Não sei qual é a vantagem em acreditar nas frias sombras do além. A única que vejo é justificar a compreensão da sua existência e fruir a ajuda dos que sentem o mesmo. Não me interessa se fazem bem ou não. Se se sentem bem, então que continuem. Mas daí a tentar convencer os outros com os mais fantasiosos e disparatados argumentos, então, tenho que dizer não. Assim, não. Não vale. A não ser que interprete as suas "atuações" como sendo formas de poesia. Assim, sim. Pode valer a pena.

Penso

Penso. Apetece-me escrever. Surgem ideias atrás de ideias, algumas simples, outras complexas e uma ou outra capaz de provocar algumas pessoas. Não sei qual escolher. A noite convida-me com os seus sons, próprios da escuridão. Penso. Olho para o lado e vejo muitos livros. Acumulação de anos. Compro-os com sofreguidão, sempre com a esperança de os poder ler. Ler. Uma ternura de sentimentos que não consigo tocar como deve ser. Penso. Tenho tão pouco tempo. O que fazer? Escrever ou ler? Penso. E se passasse a ler mais e a escrever menos? Olho para o lado e vejo lágrimas de saudades de muitas obras que há muito esperam ser acariciadas. Vou, e depois volto. Há tempo para tudo. Vou ver o mundo com outros olhos, com outras experiências e com outras formas de sentir. Vou viajar nos pensamentos de outrem. Preciso de arejar o meu ser através do coração de outros. Eles estão aqui, a meu lado. Tantos, que nem sei por onde começar. Vou. Já volto.

Manhãs de lazer

As manhãs de lazer deviam servir para muita coisa. Sentado, sem querer fazer nada, a não ser observar e escutar o que à minha volta se vai desenrolando, vou sentindo o efeito do tempo. Pequenos gestos, atributos de ocasião, conversas esvaziadas de sentido, fácies a transportar velhas emoções e olhares esquecidos na profundidade das recordações, orbitam em redor de um tempo cheio de malícia que vai corroendo os corpos e apagando as mentes. Uma manhã de lazer serve para muita coisa, sentir o pulsar da vida, dos sentimentos, de almas vazias e de um tempo sem pudor, desejoso em provocar dor. Uma manhã de lazer afinal serve para pouca coisa, olhar para o passado e ignorar o futuro, já que o presente não passa de um breve momento sem sentido.

Manhã de outono

Sinto ainda forças e inspiração para viver mais um dia. A manhã começou calma e sem dor, apenas levemente tocada pela apreensão da noite, revoltada em estranhas misturas de sono e insónia, em que os sonhos se contradizem com o pensar amargo da consciência espicaçada pelo silêncio prometido pelo futuro. O melhor é sentir e saborear os momentos de ilusão de uma manhã suave e limpa do belo outono. Afasto os fantasmas, cumprimento as pessoas, olho para os seus andares e penetro sem ofender nos olhos, quais pinturas desenhadas por almas que pensam, sofrem, desejam, fogem, fingem ou procuram tudo aquilo de que é feito a vida; um curto momento de ilusão em que o amor e a esperança são despejados ou vividos de acordo com a ocasião. Nada melhor do que aproveitar o nascer de uma bela, suave e doce manhã de um dia de outono. Que melhor posso desejar no outono da vida?

Hipocrisia política

A hipocrisia política incomoda muitas pessoas. Uma epidemia de gente desavergonhada grassa por tudo o que é sítio. A obscenidade prevalece sob retóricas pouco convincentes ou mesmo desonestas. Lentamente, as pessoas cansam-se e começam a afastar-se de um mundo sujo que é a política. Muitos querem convencer que são os paladinos da seriedade e portadores da boa-nova para que o povo se afaste da miséria e do desencanto com que foi marcado a fogo à nascença. Há quem se aproveite de qualquer situação, seja ela qual for. Há quem viva à custa do mundo da política, Há quem cresça e se agigante com promessas falsas. Há quem ofenda a dignidade dos crédulos usando a capa de justiceiros ou apresentando-se como defensores dos princípios da dignidade humana. Há gentinha para tudo, sobretudo quando sentem o cheiro do ouro. Têm um olfato apurado, mas seletivo, cheiram o dinheiro, mas não cheiram a merda que fazem. O mundo gira indiferente a críticas, a ideias, a promessas, a confissões, a vontades,