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"Povo"

Gosto de um bom livro, aprecio a literatura e esqueço-me do mundo quando me enfronho nas páginas do neorrealismo português. Devorei a obra de Mário Braga até não haver nada mais para ler; embebedo-me com muita facilidade com Aquilino; Ferreira de Castro incentiva-me a explorar muito do desconhecido. Outros, como Miguéis, Alves Redol, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Vergílio Ferreira, só para citar alguns ilustres representantes da cultura portuguesa cheios de arte, magia, vivência e de sentimentos, conseguem descrever muitas realidades que tive oportunidade de ver, sentir, cheirar e chorar. Ao ler uma obra "proibida" de Afonso Ribeiro, "Povo", estremeci de emoção. Os seus contos não são contos, são verdadeiros poemas de dor e pinturas de almas sofredoras. A miséria humana, em todas as suas expressões, é relatada de uma forma única, sensível e amarga, sem esquecer a fome da esperança e a vontade de amar. Ao ler a pobreza em que viviam os nossos antepassados, o

Olhar

O seu olhar é muito curioso, voa disperso através das sombras e foca-nos cheio de vidros coloridos de esperança. Um olhar cuja confissão me perturbou. Olhou e contou-me o que sentia, o que sofria e o que desejava. Deve ter sido a primeira vez que consegui sentir o significado de um templo, onde os sofredores e os desejosos de vida mais amena se abrem para o divino. Senti ser por momentos uma espécie de templo religioso onde a alma se liberta, chora, apela e procura a analgesia doce da vida sem sentido. Estremeci. Fico confuso quando me depositam, sem pedir, o núcleo cristalino escondido nas profundezas das almas. Fico confuso e dorido. São momentos únicos em que se acasalam a vida, a dor e a morte. Registo para sempre o timbre da voz, o brilho do olhar e a esperança sincera de que a vida vale muito seja qual for a circunstância em que navega, circula ou se pavoneia. Um dia, cruzámo-nos no templo aberto e acolhedor de um tempo sem tempo. Gosto do local, talvez seja um dos poucos, para

Presépio

Sombreiam-me lembranças, doces, mornas e cheias de querer e de viver. Escolhi o templo de um dia vulgar no meio de um jardim. As pessoas passam e os pombos espreitam e confiam em desconhecidos. Não lhes ligo. Olham-me de soslaio com segundo sentido. Finjo que não vejo e assim passo despercebido. Em frente, na igreja, vi um presépio bem cuidado. Está tudo no lugar devido. Apenas o local do menino está vazio. Não é ainda nascido! O berço do menino podia ser preenchido. Eu sei que é ainda cedo. Pensei: - Mas quem? Pela menina que nasceu neste dia Vinda das entranhas da vida.

Gente sem vergonha!

Vivo num mundo que não é difícil de compreender. O que me preocupa é a forma como somos tratados, manipulados e gozados. Mas que fazer perante esta forma de enganar o próximo? Nada, ou, então, muito pouco. Não consigo conciliar os valores que a humanidade exige, e merece, com a conduta dos que abusam da credulidade da maioria da população. Revolta-me a forma de ser de muitos que se vendem à custa da propagação de ideias que não se coadunam com os princípios mais básicos da dignidade humana. A televisão é um bom exemplo. Apresentadores, artistas e pessoas, que dão a cara a troco de cinco tostões, são capazes de afirmar que certos produtos e substâncias são o melhor que há para tratar da saúde. Perfeitos negociantes que vendem as suas imagens para publicitar coisas que não têm qualquer razão de ser. Pagam-lhes, e os gajos dizem que aquelas "coisas" são boas para a saúde. Os incautos pobretanas caem que nem uns patos bravos nestas teias de negócio que revoltam as minhas pobres v

Frio

Saí de casa na expectativa de tropeçar numa ideia, encontrar um motivo, ver um pensamento perdido, recordar uma memória esquecida, para poder beber o meu café e escrever ao som do seu sabor indefinido. Apenas o frio me encantou. Simples, seco, sincero e, ao mesmo tempo, amoroso. Frio no corpo desperta calor na alma. Um contraste perfeito ou um acasalar desejado. As recordações regressam de um passado longínquo. Gostam do frio tanto como eu. Encantam e encantam-se ao som da criatividade do momento. Velhas emoções que vivem à custa da liberdade despertada pelo calor da alma numa manhã fria. Tantas imagens, sedutoras, apaziguadoras, sofredoras, mas, no fundo, também libertadoras. Conseguem fazer com que esqueça o futuro.

A poluição

Ao ver um filme/reportagem sobre o ambiente, poluição, aquecimento global, destruição das florestas e cidades "modernas" construídas em redor da exploração do betume e do petróleo, senti um incómodo difícil de entender. Nas entrevistas, pessoas que deveriam ter o mínimo de sentido e de dignidade revelaram mais uma faceta suja da natureza humana. Uma estranha felicidade gira sempre em redor do dinheiro fácil. Bebem, comemoram e jogam com as expectativas de ganhar dinheiro em abundância. Contam, com euforia patética, os valores que ganharam em tão pouco tempo. Um deles, pareceu-me ser um engenheiro, meio alcoolizado, pediu desculpa mas tinha que se assoar. Retira uma nota do bolso - desconheço o valor da mesma -, e enfiou o seu ranho parolo no meio dela. Depois, ostensivamente, deitou-a fora sob olhar complacente e divertido do seu companheiro. Um pequeno episódio a somar a milhares de outros em que os "valores humanos" vêm ao de cima, negro, espesso e altamente energ

Sol que aquece

Descanso um pouco no seio de uma manhã fria. O sol não se mexe, não fala e não aquece. Pinta suavemente as paredes e as tristes plantas, que, na sua eterna mudez, acompanham o desenrolar da manhã sem saber porquê. A vida parece que para. O vento adormeceu. Não há nada. Imagino um estranho silêncio. Não sei o que penso. Queria ir embora, não à procura do sol, nem a toque do vento, nem ao encontro de sons sem sentido, gostava imenso de aproveitar uma fatia do tempo de um dia que para. Onde? Num local em que o tempo dorme e a vida descansa. Saborear o sol que aquece na penumbra de um ser que se esquece.