Aperto de mão!

A Associação Olímpica Britânica tem vindo a aconselhar os atletas a não se cumprimentarem com o apertar de mãos porque podem apanhar infeções, as quais, mesmo sendo ligeiras, podem levar à perda de uma medalha nos próximos jogos olímpicos. Para o efeito socorre-se de vários estudos. De acordo com os mesmos, quatro a 19% das mãos, britânicas, estão contaminadas com bactérias fecais, sem falar dos vírus. Até infeções gravíssimas podem ser provocadas por bactérias multirresistentes a antibióticos, caso de um estafilococo. Nos Estados Unidos estima-se que numa cerimónia de graduação possa ocorrer uma infeção provocada por esta bactéria na sequência de 5.200 apertos de mãos.

Tenho acompanhado o desenrolar desta situação que considero algo perigosa. Estou a pensar se não poderei interpretar este conselho como uma manifestação social equivalente a uma perturbação obsessiva compulsiva.

Na minha terra havia um pasteleiro que não cumprimentava ninguém, estendíamos a mão e ignorava-a pura e simplesmente. Até um médico fazia o mesmo, andava sempre meio ensebado e com as mãos a abanar. Quando tocava em qualquer coisa corria a uma fonte para as lavar e, no regresso, abanava-as no ar para as secar. Passado algum tempo, depois de ter chegado ao consultório, voltava a fazer o mesmo percurso. Na altura não percebia bem quais as razões para tão estranhos comportamentos, mas não deveria ser devido a problemas de higiene, porque um deles, fumava desalmadamente, não se preocupava se o cigarro caía no chão, apanhava-o e colocava-o na boca, e o médico ia lavar as mãos a uma fonte contaminada! Mais tarde, muito mais tarde, compreendi o processo patológico. Sem chegar a este extremismo, próprio do foro psiquiátrico, tenho verificado um excesso de preocupação com as infeções que pode ser perigoso para a saúde, sobretudo das crianças. O paradoxo da higienização é uma realidade, a falta de agressão microbiológica leva a um atraso da estimulação do sistema imunológico, o qual responderá mais tarde com violência provocando e desencadeando muitas afeções contra o próprio organismo, o caso da asma e das doenças inflamatórias do intestino é paradigmático, maleitas que estão em crescendo. Além das influências nas defesas do organismo, também podem ocorrer modificações comportamentais e sociais. Aquando da ameaça da gripe das aves, foi possível ver alguns comportamentos que merecem ser descritos. Muitas pessoas deixaram de se cumprimentar com beijinhos. Lembro-me de alguns casos anedóticos, como me aconteceu um dia quando ia dar um beijinho a uma senhora que se escapou ao meu ataque, ataque social, subtende-se. Ri-me, não pela fuga, mas pelo embaraço da mesma que quis justificar a atitude. E as pessoas que, à socapa ou descaradamente, andavam sempre a desinfetar as mãos com os geles alcoólicos? Ridículo. Se o raio da pandemia não tivesse caído no esquecimento, a esta hora teríamos novas formas de cumprimentar.

Cumprimentar tem as suas regras de acordo com as diferentes culturas. Há sociedades que se tocam e outras que evitam tocar-se. A este propósito, lembro-me de alguns episódios durante as minhas idas ao Luxemburgo por causa de reuniões ligadas às minhas áreas.

Entrava na sala e cumprimentava efusivamente os colegas italianos e franceses, até o grego era extrovertido, depois passava pela fila dos nórdicos, aos quais deixei de dar aperto de mão, emitia um Hi entre os dentes enquanto levantava a mão. Não parava. Do outro lado estavam os espanhóis, dava um abraço ruidoso ao homem e duas sonoras beijocas à Carmen. Sentia nas costas o olhar meio reprovador dos vikings, dos celtas e dos teutões. Interiormente divertia-me com a situação. Para terminar a sessão de cumprimentos recebia um beijo na face do presidente do grupo, um italiano, amigo de longa data.

Se este movimento continuar, evitar contactos para prevenir infeções, é muito provável que possa ocorrer mudanças no relacionamento social. Quanto à falta de estímulos microbiológicos estou convicto de que as crianças irão continuar a sofrer as consequências, o que é preocupante. As medidas de prevenção de contágio nos adultos, caso das prescritas pela associação britânica, não vai ter grande sucesso, porque tocamos em tanta coisa "conspurcada" ou mais do que as mãos, que é praticamente impossível conseguir eliminar ou prevenir outras fontes de contaminação. Até o raio dos telemóveis estão contaminados por bactérias fecais, logo, o melhor é não emprestar a ninguém. Em meios específicos, hospitalares, por exemplo, rigorosas medidas de higiene são vitais, mas começar a aplicá-las a tudo o que é sítio e a todos parece ser exagerado e, até, contraproducente.

De qualquer modo, a mero título de exemplo, fica aqui o seguinte aviso: da próxima vez que um governo tomar posse, o melhor é não se colocar na fila para o aperto de mão, sempre evita contaminar-se ou contaminar os outros. Eu sei que há quem não se importe com os riscos, pensando bem, sempre se pode obter alguns benefícios. Seja cauteloso, rape discretamente o frasquinho de gel com álcool e esfregue bem as mãos durante o tempo que leva a entoar o "Parabéns a Você". Pelo sim pelo não o melhor é repetir a desinfeção. "Parabéns a Você"...

Comentários

  1. Pois eu sou a favor do cumprimento social com contato, e gostei particularmente daquele que o caro Professr Massano Cardoso fez com a Carmen: duas beijocas, à maneira.

    Quanto ao aspeto científico, se bem entendi, uma higienização exagerada pode ter inconvenientes, retardam as defesas. E eu que pensava o contrário!

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