Poder e Moral

Divirto-me, é o termo, quando ouço os eticistas a perguntarem a uma audiência o que é que cada um faria no caso de "um comboio ao aproximar-se de uma agulha que dá para duas linhas, numa das quais se encontra um indivíduo e na outra cinco, qual das duas escolheria". A audiência ouve, sente estar perante um dilema, ter de escolher uma solução das duas previsíveis. Ouve-se, porque é fácil concluir, que optariam por matar uma pessoa em vez das cinco. Rio-me. Se estivesse presente na sessão e tivesse que responder diria simplesmente, quando estiver numa situação dessas logo verei. Não sei responder, tenho de a vivenciar e só nessas circunstâncias é que saberei.

As regras morais são construídas com o propósito de gerir e apaziguar as tensões dentro de um grupo facilitando a convivência. Alguns afirmam que perante indivíduos em risco de serem sacrificados escolheremos os que não têm qualquer parentesco connosco. Mas as coisas não são tão lineares como isso, apesar da força da selecção por parentesco. Se no exemplo supracitado a maioria optaria por sacrificar um indivíduo em vez de cinco, considerando como sendo uma atitude moralmente aceitável, já não aceitaria lançar deliberadamente um ser humano na via férrea para travar o comboio, salvando outros. Ou seja, intrinsecamente existe algo que nos impede de matar, pelo menos em oitenta e cinco por cento das pessoas estudadas, confirmando a existência de uma regra contra liquidar diretamente um ser humano, mesmo em caso de "maior bem ou necessidade". Tudo aponta para a existência de regras que "impedem" matar, violar e roubar, as quais são temporariamente suspensas quando dão jeito, caso da guerra, como é sobejamente conhecido.

As regras morais são construídas pelos humanos e sofrem alterações de acordo com o tempo e o momento, servindo para fortalecer a coesão social impedindo ou reduzindo conflitos, os quais, por sua vez, poderão dar azo a comportamentos inexplicáveis. Logo, as leis da moral têm muito que se diga.

Os animais têm comportamentos instintivos que não se podem confundir com a moralidade. No entanto, muitos dos conceitos morais subjacentes aos seres humanos parecem ser também instintivos no mesmo sentido que os observados nos animais. E é bom não esquecer que os nossos antepassados mais remotos, assim como os povos mais primitivos da atualidade, tinham e têm códigos e condutas morais.

Os códigos morais são passíveis de alteração e substituição, já que são construções humanas, desde que ajudem a fortalecer a coesão social. Quando se invocam "princípios morais" que não contribuem para esse fim, então, podemos interrogar, servem para quê? Podem inclusive criar perturbações mais ou menos graves.

De rajada li três notícias invocando "falta de moralidade". Cada uma oriunda de um continente. Nos Açores, um bispo levantou-se contra a distribuição de preservativos nas escolas, invocando que é um convite a atividade sexual precoce, logo, moralmente condenável. Na China, uma ativista conservadora, conhecida pela "Deusa da Virgindade", pretende casar com homem virgem e que "aguente" três anos nessa condição após o casamento. A chinesa afirma que uma "mulher solteira que perde a virgindade pode corromper a moral da sociedade". Em África, a Nobel da Paz, Ellen Johson, presidente da Nigéria, defende uma lei que criminalize a homossexualidade. Três exemplos, que valem o que valem, mas que traduzem a definição de conceitos de moralidade, que não são propriamente exemplos nem estímulos à coesão social, mas formas de pensar que, não sendo novas, continuam a perpetuar-se e que poderão fazer mais mal do que bem. Também é fácil de concluir que é precisamente ao redor da sexualidade que se observa mais conflitualidade, levando a pensar que esta, sendo uma força incontestável da vida, continua a incomodar muita gente. Estando a sexualidade "escondida" nas profundezas da consciência humana, quem a "dominar" sabe, perfeitamente, que poderá mais facilmente controlar e influenciar outras áreas.

A moral ao serviço do poder?


Comentários

  1. Estas notícias até me deixam doente.Eu e a minha amiga Eco gostávamos de "ir a público" explicar (especialmente ao "Senhor Bispo") que, reduzindo ao absurdo, só se poderá casar mediante testes de fertilidade...e, se for possível, ensinar a cada "portuguesinho(a)" deste país o que significa "estado laico".
    Quanto ao exemplo que apresenta: "um comboio ao aproximar-se de uma agulha que dá para duas linhas, numa das quais se encontra um indivíduo e na outra cinco, qual das duas escolheria",gostava que se tivesse acrescentado que "o indivíduo" (só) seria um(a) familiar ou amigo(a) - só para perceber se a percentagem mudava...(O James Rachels apresentou muitos "casos de ponta" na obra «Elementos da Filosofia Moral» (se bem me lembro). Quanto à Nobel da Paz nem comento, tal como não comento as "acções" do B. Obama enquanto Nobel da Paz (em 2009)...
    Haja "consciência"! :)

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  2. Claro que há diferenças, aumenta devido ao efeito de "seleção de parentesco", um processo evolutivo muito bem estudado e talvez explique muito nepotismo, já que há muitos tipos de parentesco....
    Quanto à prémio Nobel da Paz, é bom que Oslo, já que quem dá este prémio é Oslo e não Estocolmo, pense duas vezes no futuro a quem atribuir, para evitar gafes e atitudes desprestigiantes desta natureza. Enfim!

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