Cinco de outubro!

Era um catraio despreocupado e já "sabia" o que era o cinco de outubro. Tomara, tive um avô republicano que não se calava sempre que vinha à liça o assunto da república; punha-se a falar de acontecimentos, de pessoas, de greves, de atentados, como se eu estivesse estado presente ou tivesse conhecido os protagonistas! Dissertava, comentava e insultava com um calor especial. Parecia que se embriagava com a história daquele período. Só o via assim quando falava do fim da monarquia e da implantação da república. Também me apercebia de que era crítico de muitas coisas que aconteceram naquele período. Quando chegava ao Estado Novo baixava a voz, remexia-se na cadeira, olhava para os lados, o bigode tremia-lhe e ficava nervoso. Só muitos anos depois é que percebi as razões. Soube o que foi a dureza do regime. Rapidamente ultrapassava a situação, regressando sempre ao cinco de outubro, símbolo da mudança de regime e esperança de um futuro melhor. Mais esperança do que certeza. Mesmo assim os seus olhos brilhavam e tinha um amor muito especial pela bandeira verde rubra. Foi ele que me explicou a simbologia básica de todos os elementos. Eu dizia-lhe que a bandeira azul branca era muito linda. Olhava com um ar reprovador, dizendo que escondia muita coisa, muito sofrimento, opressão e sei lá que mais. Tanta apologia fez ao cinco de outubro que fiquei com inveja dos que nasciam nesse dia. Uma sorte nascer no dia da implantação da república! Aprendi a respeitar este feriado, pelos motivos já enunciados e só mais tarde é que conheci algumas pessoas que nasceram neste dia. Eu, que tenho uma falta de memória do caraças para datas de aniversários, à exceção dos familiares diretos, consigo recordar o nome de todos os conhecidos que vieram ao mundo nesta data festiva.
Acompanho com interesse os debates entre os que gostam do cinco do dez e os que "detestam" a sua comemoração, os adoradores do passado monárquico, que, mesmo assim, conseguem utilizar a mesma data para comemorarem a fundação da nacionalidade.
Vai acabar o feriado de cinco de outubro, um feriado que na altura da minha escola era muito respeitado. O governo anunciou a sua morte, presumo que todos já sabem. Não me vou pronunciar sobre a justiça ou não da sua eliminação. Para já os monárquicos devem estar a sorrir fazendo lembrar Muttley o cão dos Malucos das Máquinas Voadoras! Até as crianças em idade escolar já começaram a saber o fim deste feriado e o do outro, o primeiro de dezembro. Agora, tenho de pedir mais cuidado ao governo e aos educadores quando anunciarem o fim de qualquer coisa que diga respeito a uma data, porque pode originar problemas para as crianças que não percebem muito bem o que é que se está a passar. Imaginem uma criança de seis anos que ouve a sua professora dizer que Pedro Passos Coelho, o primeiro-ministro, decidiu acabar com o feriado de cinco de outubro. A menina fica aterrorizada. Chega a casa muito triste, chora, vomita, preocupa os pais e estes, aflitos, não compreendem nada. Depois de alguma insistência explicou que a professora tinha dito que o cinco de outubro ia acabar, o dia do seu aniversário, agora nunca mais iria fazer anos. "Não gosto do Pedro Passos Coelho, é muito mau". Depois de alguma conversa a menina acabou por compreender toda esta questão. Ficou mais calma e já sabe que vai continuar a fazer anos neste dia. Que diferença! Eu queria ter nascido no cinco de outubro e ficava feliz com as conversas a seu propósito, mesmo que não entendesse patavina dos acontecimentos relatados pelo meu avô e agora venho a saber da tristeza de uma menina que pensou que lhe iam roubar a sua data. Ficou descansada. Mas eu é que não fico, porque como as coisas andam vão-lhe roubar não um dia, ou um feriado, mas trezentos e sessenta e cinco dias por ano, fora mais um, nos bissextos, ao longo da sua vida. Uma "república"!

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