Desenho de Artur Moreira
Lá fora a noite divertia-se a jogar às escondidas num desconfortável
silêncio. Ao sentar-se, na tranquilizadora penumbra da sala, uma folha
branca desgarrada, vinda não se sabe bem de onde, parecia que lhe estava
a falar. Olhou. Ao pegar-lhe sentiu algo de estranho. Não era
totalmente lisa, tinha uma textura suave, mas ondulante, com zonas mais
quentes do que outras, como se fosse uma membrana a revestir um ser
prestes a nascer. Parecia que a membrana vibrava ao sabor de uma energia
musical. Afinal não estava a ouvir nada, sentia algo, sim, sentia, só
que não era, também, tátil, mas como não entendia bem o que estava a
acontecer teve de se socorrer da linguagem dos sentidos para interpretar
tão estranho fenómeno. Recordou-se de ter lido nessa tarde alguns
textos sobre as teorias das cordas, das supercordas e da teoria M, dos
multiversos e universos paralelos, algo confuso para quem não é físico,
mas muito aliciante ao explicar que a vastidão da existência anda para
lá e para cá do desconhecido. Para que existem basta pensar e imaginar
outras dimensões, outros universos, onde igualmente estamos a viver,
vidas diferentes, experiências distintas, onde acontece tudo o que
poderia ter acontecido aqui. Algures, na infinidade dos universos
paralelos, os nossos desejos estão a realizar-se e os nossos medos e
ansiedades também, precisamente neste momento em que lemos, pintamos e
escrevemos. Pegou na folha e as vibrações começaram a fazer-se sentir
com mais intensidade como se uma força oculta quisesse manifestar a sua
existência sob os seus dedos. Levantou a mão e sacou um pouco da noite
negra e ao contornar as ondulações da membrana branca começou a nascer
uma figura, feminina, emergindo de uma outra dimensão à procura de si
mesma, à procura de uma das suas múltiplas existências. Era uma alma
irrequieta a querer saber o que se estava a passar aqui com ela. Assim
que ficou gravada desapareceu, espantada. A folha ficou lisa, sem calor,
sem ondulações, apenas com um belo desenho a testemunhar a vida e
existência paralelas. Por onde andará ela neste momento? Basta pensar e
imaginar, porque é isso mesmo que ela está a fazer. A figura, feminina,
não deve ser a sua alma. Onde parará a "dona"? Não sabe, talvez um dia
uma das suas múltiplas existências consiga ver a sua alma errante que
anda a saltitar de universo em universo. Almas irrequietas há muitas,
mas almas que querem provar que é possível ter outras vidas noutros
mundos devem ser poucas, porque não há quem as desenhe, para isso é
preciso saber pintar com o negro da noite na brancura da vida...
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