Talvez por ter comido uma suculenta pera, lembrei-me de uma frase de um grande escritor português que considera que, para si, escrever é como uma pereira a dar peras. Mas há quem tenha o condão de pertencer a uma espécie e dar frutos de outra, o que é mais aliciante, porque é entrar no reino da fantasia ou da loucura, tanto faz, sempre é melhor do que enfrentar a realidade do quotidiano. Há, também, os que escrevem, não para dar peras, mas, para fugir, para atemorizar, para amar, para ofender, para criticar, para matar, para salvar, para se entreter, para seduzir, para enganar os outros ou a si próprio e para enlouquecer. Estes últimos não são comuns, talvez porque escondem os seus escritos ou por terem ainda algum resto de consciência de que podem contaminar os outros. Um louco não gosta que o imitem, quer o mundo só para si, o que não é difícil, porque sabe construí-lo à sua maneira. E fazem muito bem, pelo menos não tem que aturar a estupidez dos normais, que é incomodativa, sufocante e perfeitamente estéril.
Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite. Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.
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