Na altura não havia brinquedos. Fome de brincar e cabeça para imaginar eram coisas que abundavam.
Quando os eucaliptos davam a pele, retirava uma faixa e com maestria infantil, a que não era alheia a perigosa navalha, sempre escondida dos graúdos, arranjava maneira de criar uma fantástica hélice que girava como se fosse a mais esplendorosa ventoinha. Depois era vê-la a girar à velocidade da minha corrida. Víamos quem corria mais depressa atrás daquelas belezas feitas com a pele descamada dos eucaliptos.
Correr era uma necessidade. O corpo exigia insistentemente como se a vida quisesse andar atrás de um mundo que então via mas não compreendia. Fazia-lhe a vontade correndo com um velho arco ou a jogar à bola feita com meias velhas e trapos, os quais me valeram algumas tareias, porque nem sempre tinha discernimento para distinguir o velho do novo. Coisas da vida.
O que gostava mais era de andar às corridas com os arcos. Não era fácil arranjá-los, logo, o melhor era ficar junto da oficina das bicicletas e, como não quer a coisa, ia perguntando se não havia um pneu velho para brincar.
- Não. Não há. Diziam com vozes tonitruantes, eivadas de cigarros, de algum tinto e de muita berraria.
- Não há? Estão tantos ali.
- Onde?
- Ali! Não são pneus velhos? Podia dar-me um.
- Podem ser precisos. Replicou.
- Podem ser precisos?
- Sim. Podem.
- Mas para quê?
- Olha lá, ó meu rapaz. Não vês que estamos a trabalhar e que conversa não ajuda? Pensei: - Não ajuda uma merda! Estão a sempre a conversar, de futebol, de gajas, de vinhos, de patuscadas e de muitas outras coisas.
- Queres um pneu?
- Quero pois. Disse todo entusiasmado.
- Então, antes de ires buscar um pneu tens que me dizer se já pintas. Eu bem sabia o que ele queria, mas como estava com o olho num belo pneu respondi que não, ainda era muito novo.
- Ah! Então sabes o que é pintar!
- Posso ir buscar um? Perguntei sem responder.
- Espera. Ainda tens de me dizer se já viste a “pintelheira” de alguma miúda. Farto deste tipo de conversa, ainda estive tentado a dizer que sim, que já tinha visto a da filha. O pior era o resto. Respondi:
- Não senhor. Ande lá, deixe-me ir buscar um pneu. À medida que ia falando aproximava-me do montículo sujo de borracha usada. Já tinha o “meu” pneu ao alcance da mão.
- Posso levar este? Apontei.
- Podes, mas antes tens de dizer três asneira seguidas.
- Para quê? Questionei surpreendido.
- Para quê? Para pagares o pneu.
- Pagar com asneiras?
- Sim. Nessa altura já tinha abocanhado o mais bonito de todos.
- Pronto. Está bem. Porra, catano e merda!
- Mas isso são asneiras que se digam? Isso não vale nada. Tens que dizer as de verdade.
- Está bem. Eu digo para a próxima vez. Entretanto, já ia suficientemente longe para não ouvir as gargalhadas do pessoal que assistiram ao diálogo.
Fiz uma inveja do caraças junto dos meus amigos. O pneu “novo” foi alvo de trocas e baldrocas, mas fiquei sempre com ele. Não era fácil pô-lo a andar, tinha que lhe dar muita “porrada” com o pau, mas depois engatava e eu não conseguia acompanhá-lo na descida da inclinada calçada...
Quando os eucaliptos davam a pele, retirava uma faixa e com maestria infantil, a que não era alheia a perigosa navalha, sempre escondida dos graúdos, arranjava maneira de criar uma fantástica hélice que girava como se fosse a mais esplendorosa ventoinha. Depois era vê-la a girar à velocidade da minha corrida. Víamos quem corria mais depressa atrás daquelas belezas feitas com a pele descamada dos eucaliptos.
Correr era uma necessidade. O corpo exigia insistentemente como se a vida quisesse andar atrás de um mundo que então via mas não compreendia. Fazia-lhe a vontade correndo com um velho arco ou a jogar à bola feita com meias velhas e trapos, os quais me valeram algumas tareias, porque nem sempre tinha discernimento para distinguir o velho do novo. Coisas da vida.
O que gostava mais era de andar às corridas com os arcos. Não era fácil arranjá-los, logo, o melhor era ficar junto da oficina das bicicletas e, como não quer a coisa, ia perguntando se não havia um pneu velho para brincar.
- Não. Não há. Diziam com vozes tonitruantes, eivadas de cigarros, de algum tinto e de muita berraria.
- Não há? Estão tantos ali.
- Onde?
- Ali! Não são pneus velhos? Podia dar-me um.
- Podem ser precisos. Replicou.
- Podem ser precisos?
- Sim. Podem.
- Mas para quê?
- Olha lá, ó meu rapaz. Não vês que estamos a trabalhar e que conversa não ajuda? Pensei: - Não ajuda uma merda! Estão a sempre a conversar, de futebol, de gajas, de vinhos, de patuscadas e de muitas outras coisas.
- Queres um pneu?
- Quero pois. Disse todo entusiasmado.
- Então, antes de ires buscar um pneu tens que me dizer se já pintas. Eu bem sabia o que ele queria, mas como estava com o olho num belo pneu respondi que não, ainda era muito novo.
- Ah! Então sabes o que é pintar!
- Posso ir buscar um? Perguntei sem responder.
- Espera. Ainda tens de me dizer se já viste a “pintelheira” de alguma miúda. Farto deste tipo de conversa, ainda estive tentado a dizer que sim, que já tinha visto a da filha. O pior era o resto. Respondi:
- Não senhor. Ande lá, deixe-me ir buscar um pneu. À medida que ia falando aproximava-me do montículo sujo de borracha usada. Já tinha o “meu” pneu ao alcance da mão.
- Posso levar este? Apontei.
- Podes, mas antes tens de dizer três asneira seguidas.
- Para quê? Questionei surpreendido.
- Para quê? Para pagares o pneu.
- Pagar com asneiras?
- Sim. Nessa altura já tinha abocanhado o mais bonito de todos.
- Pronto. Está bem. Porra, catano e merda!
- Mas isso são asneiras que se digam? Isso não vale nada. Tens que dizer as de verdade.
- Está bem. Eu digo para a próxima vez. Entretanto, já ia suficientemente longe para não ouvir as gargalhadas do pessoal que assistiram ao diálogo.
Fiz uma inveja do caraças junto dos meus amigos. O pneu “novo” foi alvo de trocas e baldrocas, mas fiquei sempre com ele. Não era fácil pô-lo a andar, tinha que lhe dar muita “porrada” com o pau, mas depois engatava e eu não conseguia acompanhá-lo na descida da inclinada calçada...