Mensagens

"O pássaro preto e a borboleta dourada"...

Há dias vi numa passadeira um pássaro preto meio desengonçado, via-se logo que era criança, a saltitar em direção a uma pequena folha dourada, com raios castanhos e brancos, listada de suaves manchas azuis. Aproximou-se cheio de curiosidade e deu-lhe uma bicada. A folha dourada estremeceu e levantou voo, muito assustada, era uma linda borboleta. O pássaro preto também se assustou, mas, mesmo assim, curioso, como são todas as crianças, foi-lhe no encalce, tentando abocanhá-la. A borboleta batia as asas como muita força, mas como não conseguia voar mais rápido, virou-se para o pássaro preto e perguntou-lhe: - Porque é que queres comer-me? - Tu falas? Quem és tu? - Sou uma borboleta. Não vês? - Também tens asas como eu. Disse o pássaro muito admirado. - Tenho, mas não sou um pássaro. - Gosto das tuas asas. São lindas. Tão coloridas. As minhas são todas pretas.  - Ainda não me respondeste. Porque é que tu queres comer-me? Disse a borboleta dourada listada de manchas azuis.

Palatucci...

Ler a vida de homens que durante o período nazi enobreceram a natureza humana é um lenitivo e uma fonte de esperança. Tamanhas atrocidades atormentaram a humanidade que depressa se esquece para se recordar novamente quando mergulha na destruição e na violência. Leio que Palatucci, um "justo entre as nações", afinal não merece este título, porque acabou de se provar que foi um colaboracionista nazi. Os italianos acordaram surpreendidos com esta situação.  Incomoda-me o fabrico em série de mártires, de beatos e de santos por parte do Vaticano. Este italiano, Palatucci, foi considerado mártir por João Paulo II e aguardava a beatificação. Os homens podem errar na apreciação da conduta de um semelhante, mas no caso da "santificação" ou "beatificação" como explicar tal conduta? Não sei qual foi o milagre produzido "através" de Palatucci, não sei, nem me interessa. O que me preocupa é a falta de controlo por parte do divino ao conceder privilégios

"Templos a pagar"...

Quando o cabelo começa a incomodar-me tenho de ir à tosquia. O pior é arranjar tempo, mas assim que consigo uns trocos vou a correr até à baixa. Hoje, tive a tarde livre, não estava programada, foi-me muito útil. Passeei, cortei o cabelo, dei voltas e mais voltas pela baixa, sempre debaixo de um vento nervoso e de um frio inquietante. Subi o Quebra-Costas, lentamente, em contraste com os meus tempos de estudante, e olhei para a Sé Velha. Vi que tinha a porta aberta. Pensei, há quanto tempo não entro naquele espaço? Há muito, talvez há demasiado, espero que não tenha sido aquando do batizado da minha filha do meio, porque, se foi, é uma vergonha. Como estava um pouco cansado, e nada me atormentava, exceto o vento desagradável, subi a escadaria com o propósito de passar uns minutos no templo. Gosto imenso de sentar e descansar em igrejas ou capelas. São excelentes fontes de inspiração. Ao entrar, do lado esquerdo, um papel colado na porta ou na cortina, não sei bem, ostentava o segui

"Negócio"....

Acompanho os acontecimentos no Brasil. Leio e fico de boca aberta quando a presidente, a senhora Dilma viaja para São Paulo para falar com o seu antecessor, Lula da Silva, para "compreender o que está a levar milhares de pessoas para a rua, a protestar contra a corrupção, a violência policial e as despesas milionárias com a construção de estádios para o Mundial de futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, quando o país tem tantas carências, na educação e na saúde". Será que não deu conta do que se passa no seu país? Como é que chegou à presidência? Não sabe que, entre outros "negócios", o futebol é dos maiores? E legal!  Gastar dinheiro "à tripa forra" é uma característica de muitos governos. A pretexto de investimentos e respetivos retornos (?) há quem ganhe dinheiro, os que constroem os estádios, os acessos e os que orbitam em redor da "bola". O dinheiro que está a ser investido nunca irá ter, nem de perto nem de longe, um retorno satis

Lágrimas...

Entrou com uma pele escura, não bronzeada pelo sol, talvez queimada ou suja pela vida. O seu ar sombrio, antipático mesmo, quase a raiar o repulsivo, incomodou-me. Formalmente perguntei-lhe, anda bem de saúde? Não. Disse numa voz demasiado baixa para que o entendesse. Repeti-lhe a pergunta. Respondeu-me no mesmo tom, mas agora olhando para mim e eu para ele. Mesmo em voz baixa os tremores do lábio deram-me a resposta, não, não andava bem de saúde. Continuei a olhá-lo em silêncio, à espera que me dissesse o que tinha. Nada, o tempo, escassos segundos, pareceram-me uma eternidade. Continuei a fixá-lo até que foi capaz de responder. Não ando bem desde há um ano, quando morreu o meu filho. Desviei o olhar para o papel, tentando fugir do que iria ouvir. Não fugi. Fui obrigado a perguntar perante tão dolorosa afirmação, foi um acidente? Novo silêncio de apenas alguns segundos, dois, três no máximo, mas que me pareceram, novamente, uma eternidade. Não. Suicidou-se. Um calafrio inesperado in

"Loucura"...

Conversas loucas alimentam e curam. Sabe bem ouvi-las, construí-las e desfazê-las logo que apareçam. São diferentes segundo a hora do dia. De manhã são alegres, divertidas, cheias de esperança, cheirosas, impregnadas de perfume e de sobras de amor. À hora do almoço começam a inquietar e a comprometer o girar de um sol esquivo e envergonhado incapaz de se mostrar e que chora num sono depressivo e perturbador. Ao final da tarde, as conversas, esfomeadas, despertam a vontade canina de morder e de esfrangalhar as notícias sem sabor e sem valor. Loucos  falam, ufanamente, das suas gloriosas loucuras, atos, palavras e conquistas sem sentido. É uma tristeza ter de ouvir tantas loucuras despropositadas, frias e provocadoras de ansiedade. Não gosto deste tipo de loucuras. São feias e duras. Fujo delas como o diabo da cruz. Eu não sou fã do diabo, eu gosto de uma cruz, a  minha, onde queria pregar uma bela e doce loucura erigida aos céus de braços abertos, abertos a todos os loucos sãos deste

Peixinho de olhos azuis...

A estreita ribeira de águas límpidas dava vida ao povoado, deixando-se passar vezes sem conta pelas pessoas que, no meio da ponte de pedra, paravam quase sempre para a olhar, mas sem pensar. Olhavam e viam pequenos cardumes de peixes pequeninos, brincalhões, muito traquinas, que se punham também a olhar para a ponte de pedra. O Horácio, quando passava a ponte, também olhava, mas pensava nos peixes. Como seria divertido se pudesse brincar com eles. O Horácio era um pescador, mas só pescava no extenso e profundo lago onde havia peixes grandes com olhos tristes. Ali, na ribeira não admitia nem nunca pensou em apanhá-los. Era um local sagrado. Um dia Horácio viu um pequeno peixe diferente. Tinha olhos azuis. Os peixes não têm olhos azuis. Pensou. A partir daí começou a ver que os outros, que andavam sempre juntos, em correrias loucas, não deviam gostar dele, empurravam-no e maltratavam-no. O peixe de olhos lindos e azuis passou a andar sozinho e muito triste. Horácio não sabia o que fa