Há dias vi numa passadeira um pássaro preto meio desengonçado, via-se logo que era criança, a saltitar em direção a uma pequena folha dourada, com raios castanhos e brancos, listada de suaves manchas azuis. Aproximou-se cheio de curiosidade e deu-lhe uma bicada. A folha dourada estremeceu e levantou voo, muito assustada, era uma linda borboleta. O pássaro preto também se assustou, mas, mesmo assim, curioso, como são todas as crianças, foi-lhe no encalce, tentando abocanhá-la. A borboleta batia as asas como muita força, mas como não conseguia voar mais rápido, virou-se para o pássaro preto e perguntou-lhe:
- Porque é que queres comer-me?
- Tu falas? Quem és tu?
- Sou uma borboleta. Não vês?
- Também tens asas como eu. Disse o pássaro muito admirado.
- Tenho, mas não sou um pássaro.
- Gosto das tuas asas. São lindas. Tão coloridas. As minhas são todas pretas.
- Ainda não me respondeste. Porque é que tu queres comer-me? Disse a borboleta dourada listada de manchas azuis.
- Eu não quero comer-te. Eu queria era brincar com a folhinha dourada listada de manchas azuis. Eu não sabia o que era uma borboleta. O que é que tu fazes?
- Eu ando de flor em flor bebendo a doçura das mesmas e levando o seu pólen para espalhar pelas suas irmãs. Depois nascem sementes, e essas sementes espalham-se pelo parque para que tu e os teus possam comer e alimentar-se. O pior é que andam por aí pássaros pretos, gulosos e atrevidos, que gostam de borboletas. Agora o parque está a ficar triste. Os pássaros pretos comem-nos.
- Mas eu não como borboletas!
- Não comes?
- Não.
- Mas os teus pais comem.
- Não acredito.
- Pois é melhor acreditares. Pergunta-lhes.
- Está bem. Vou perguntar-lhes.
Foi até ao ninho mas não estava ninguém. Esperou um bom bocado até que os pais chegaram. Contou-lhes o encontro com a borboleta e quis saber se era verdade que os pássaros pretos andavam a comer as lindas borboletas.
- Como era essa borboleta?
À medida que o filho ia descrevendo as cores e as listas da borboleta, os pais baixaram os bicos e fecharam os olhos como se estivessem muito envergonhados. Pensaram:
- Não devíamos ter comido a borboleta dourada e azul do parque. Agora não sabiam como responder. Foi então que o pai se lembrou de explicar que as borboletas não nascem assim, primeiro aparece um ovinho muito pequeno, depois nasce uma larva muito gulosa e feia que está sempre a comer até adormecer, enrolando-se num pequenino cobertor do qual, um dia, irá nascer a bela borboleta sem se lembrar de nada. Ele, o filho, tinha razão, não deveriam ter comido a borboleta. Os pássaros pretos podem comer as larvas, feias e devoradoras, que, quando são demais, dão cabo das folhas do parque. Foram gulosos. A partir de agora não iriam comer mais borboletas.
- E agora? Como é que vou falar com a borboleta? Vocês comeram-na. Eu tinha-lhe dito que os pássaros pretos não comiam borboletas.
- Vai para o parque e espera que ela acorde.
- Ela vai acordar?
- Vai.
O pequeno pássaro preto foi para o parque e esperou que a borboleta despertasse desenrolando-se dentro do seu cobertor.
Quando esticou as asas, olhou-o e perguntou-lhe:
- Ainda estás aí? Não foste perguntar aos teus pais se os pássaros pretos comem as borboletas?
- Fui.
- E o que é que eles te disseram?
- Nunca mais vão comer borboletas.
- Não?
- Não.
- Então queres ir brincar comigo?
- Quero.
A partir desse dia nunca mais faltou sementes nem larvas para alimentar os pássaros pretos, larvas que um dia iriam transformar-se em borboletas. As folhas das árvores estavam sempre viçosas, as flores sorriam a todo o momentos e as borboletas douradas listadas de manchas azuis davam um encanto especial ao parque em correrias loucas ao final da tarde fingindo fugir aos brincalhões dos pássaros pretos. O sol divertia-se muito com este quadro ao ver o reflexo dos seus raios nas asas das borboletas, saboreando a tranquilidade do negro da noite que já adivinhava nas asas dos pássaros pretos.
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