A estreita ribeira de águas límpidas dava vida ao povoado, deixando-se passar vezes sem conta pelas pessoas que, no meio da ponte de pedra, paravam quase sempre para a olhar, mas sem pensar. Olhavam e viam pequenos cardumes de peixes pequeninos, brincalhões, muito traquinas, que se punham também a olhar para a ponte de pedra. O Horácio, quando passava a ponte, também olhava, mas pensava nos peixes. Como seria divertido se pudesse brincar com eles. O Horácio era um pescador, mas só pescava no extenso e profundo lago onde havia peixes grandes com olhos tristes. Ali, na ribeira não admitia nem nunca pensou em apanhá-los. Era um local sagrado.
Um dia Horácio viu um pequeno peixe diferente. Tinha olhos azuis. Os peixes não têm olhos azuis. Pensou. A partir daí começou a ver que os outros, que andavam sempre juntos, em correrias loucas, não deviam gostar dele, empurravam-no e maltratavam-no. O peixe de olhos lindos e azuis passou a andar sozinho e muito triste. Horácio não sabia o que fazer. Começou, também, a andar muito triste pela forma como os peixinhos, de quem gostava tanto, tratavam o irmão de olhos azuis. Foi então que um dia viu o cardume de peixes pequenos a rodear o solitário de olhos azuis. Depois empurraram-no para a queda de água e o peixe de olhos azuis foi obrigado a saltar para o degrau seguinte da escada da ribeira. Aqui, ao fim de pouco tempo, o cardume de peixinhos deste degrau fizeram-lhe o mesmo, empurraram-no para a queda de água seguinte. E de degrau em degrau da escadaria de águas frescas e límpidas, onde havia sempre um cardume de peixes pequenos, o peixe de olhos azuis acabou por cair no grande e profundo lago onde passou a viver e a crescer com saudades das águas límpidas e frescas da ribeira, onde queria morar. Preso no profundo e grande lago, pensava nos olhos do Horácio, olhos lindos, azuis celestes, olhos que gostaria de ter.
Um dia olhou para cima e viu dois pequenos sóis azuis a brilhar através da água. Começou a subir para ver mais de perto o que eram aqueles belos pontos azuis que brilhavam tanto. Na subida passou ao lado de uma minhoca que estrebuchava na água. Como não tinha almoçado, pensou, estou com fome, e, sem hesitar, engoliu-a. Foi então que sentiu uma dor na garganta e começou a ser puxado com força para fora da água. Ficou muito assustado e pensou, vou morrer afogado no ar, nunca mais vejo o local onde nasci e onde sempre quis viver. O salto foi tão grande que, de repente, sentiu um aperto no corpo e viu duas belas safiras muito azuis à sua frente. Eram os olhos do Horácio. Horácio reconheceu os olhos azuis do peixe e ficou muito satisfeito. Com muito cuidado meteu-o num saco com água correndo encosta acima, sempre ao lado da ribeira, com os cardumes de peixes pequenos a quererem saber o que é que se passava. Quando chegou ao local onde tinha nascido, perto da ponte de pedra sobre a ribeira, colocou-o com muito cuidado nas águas límpidas e frescas. Todos os peixes pequenos, muito intrigados, correram para o local e abriram as bocas de espanto quando viram o peixe de olhos azuis. Estava tão grande que era capaz de os comer a todos de uma só vez. Juntaram-se ainda mais, tremeram de medo, e perguntaram-lhe se ia fazer-lhes mal. Não, não quero fazer mal a ninguém, só quero viver aqui e brincar convosco. Não nos fazes mal? Não! Querem ser meus amigos? Eu não deixo que vos façam mal. Horácio não sabia a língua dos peixes, mas compreendeu que algo de interessante se estaria a passar com eles. Quando o belo peixe de olhos azuis começou a nadar, os outros, pequeninos, puseram-se a seu lado em correrias loucas e muito felizes da vida.
Hoje, há quem diga que é possível ver duas belas safiras de um azul celeste a brilhar na ribeira no meio dos cardumes de peixes pequeninos. Basta parar sobre a ponte de pedra, olhar para a ribeira e pensar, como Horácio fazia através dos seus brilhantes e doces olhos azuis...
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