Mensagens

Livro

Aprecio a arte de escrever quando as emoções se transformam em belos quadros impressionistas e as paisagens em naturezas vivas, cheias de sol, de escuridão ou de vidas perdidas. O tempo escasseia e limita o prazer de ler os meus autores favoritos. Sonho em ler e angustia-me não poder escrever. Corri sem perceber até mergulhar na luz suave e brilhante de uma livraria. Percorri com o olhar os títulos a uma velocidade alucinante. Tocava num, acariciava outro, recordei muitos, enfim, fiz o que deveria fazer no espaço da vida e do mundo em que o silêncio grita de dor, de esperança, de raiva e de amor. Sentimentos e emoções, aprisionados em delicadas páginas, aguardam o toque gentil de quem os sabe apreciar. Querem libertar os seus odores e aprisionar nas suas maravilhosas teias o fervor de quem pretende saborear o amor e curar a dor. Procurei no setor infantil o livrinho para a neta mais nova. Algo que fosse o equivalente à Bíblia. A mãe tinha-me contado pouco tempo antes que apanhou a m

Deus e poesia

Tremo de medo e exaspero-me de indignação quando leio certas notícias em que a palavra Deus constitui o denominador de atitudes, comportamentos e decisões inexplicáveis e humanamente inaceitáveis. Não consigo compreender, e penso que nem vale a pena fazer qualquer esforço nesse sentido. Não o conhecia. É um palestiniano que vive na Arábia Saudita. É poeta. Eu gosto de poesia, quase que poderia dizer que se Deus existisse tinha que ser forçosamente poeta, porque a poesia é a expressão mais pura de qualquer alma que pensa, sente e ama. Tem nome, chama-se Ashraf Fayadh. Está preso há 22 meses e acaba de ser condenado à morte por "insulto a Deus". Não consigo compreender porque se matou e se continua a matar em nome de Deus. Não entendo por que razão alguém se imola em nome de Deus. Não compreendo quaisquer sacrifícios dolorosos por amor ao divino. Não compreendo e nem aceito. Não aceito que matem os que não acreditam em Deus, mas acreditam no amor, na tolerância, na paz, na b

Sorriso dourado

Entrou no gabinete a esvoaçar como se fosse um anjo distraído que, por engano, quis meter-se comigo. Ofereceu-me um sorriso dourado. Desde muito cedo que comecei a pensar que os anjos deveriam ser brincalhões. Ainda bem que os há. Educadamente, perguntou se podia sentar-se. Gosto de ver uma pessoa com maneiras. O interrogatório iniciou-se com as formalidades habituais. À pergunta se andava bem de saúde, respondeu que sim, embora andasse em consultas para ver se engravidava. Ia fazer fertilização "in vitro". O sorriso esperançoso inundava o espaço, dando um colorido pouco habitual à conversa. Antes que dissesse mais alguma coisa, antecipou-se explicando a razão de ser da sua situação. Há onze anos, tinha na altura vinte, foi-lhe diagnosticado um tumor inoperável. Por causa disso teve de se submeter a tratamentos apropriados, os quais deverão ter originado a sua infertilidade. Enquanto ia ouvindo a descrição dos factos, alegre e de braço dado com uma enorme vontade de viver, l

Nélson

Na semana passada gozei alguns minutos de descanso no jardim. Sentei-me num banco e deixei escorrer o meu pensamento ao longo das margens ornadas de canteiros de flores sob um sol delicioso de outono. Volta e não volta uma folha dourada caía a meus pés ou sentava-se a meu lado, enquanto duas delas se lembraram de me acariciar com o beijo do descanso da vida que o inverno oferece com deleite a muitas árvores. Deixei-me ir em silêncio e sem pensar na onda lenta mas absoluta do outono. Subitamente, um casal de idade chamou-me a atenção. Ela não, mas o senhor tinha um andar típico que eu conheço desde há muito. Com um ar desengonçado, livre de preconceitos e, até, provocador, apesar de andar agarrado a uma bengala - às tantas mero fingimento -, chamou-me a atenção o boné às riscas, com muito vermelho e preto, o casaco amarelo forte, demasiado grande para o seu corpo mediano, as calças de ganga, não daquelas que as meninas de hoje usam, artificialmente rotas, mas com duas bandas largas de a

O menino e as rosas

Final de sexta-feira. Muito cansaço. O trabalho não perdoa e a ignomínia humana também não. Desejoso de chegar ao meu local de repouso e de reflexão acabei por ver e ouvir mais uma tragédia. O terrorismo, a maldade humana e a dor atingiram muitas pessoas e a alma das restantes que ficaram surpreendidas e angustiadas com a vida e o futuro. O mundo está ferido de morte. É visível e provoca muito sofrimento. Agarrado à televisão, comunguei da aflição coletiva. Gente de bem sofre com tudo em seu redor. Foi então que me contou um episódio. - Queres ouvir o que me aconteceu hoje? A forma lacónica como fez a pergunta assustou-me. Despertei para outra realidade e perguntei: - O que é que aconteceu?! - Após o almoço tocaram a campainha da porta. Fui ver quem era. Uma criança, que não deveria ter mais do que nove anos ou dez anos, pediu-me, numa voz suave e envergonhada, se podia tirar uma rosa do jardim. Fiquei um pouco surpreendida. O menino era bonito, simpático, tinha uma fácies rechonchud

Montanha

Subi à montanha. Fui ver o ar perdido A voar ao fim do dia. Subi à montanha. Onde vi o sol a sonhar com a noite fria. Subi à montanha. Onde o silêncio conforta a vida. Subi à montanha. E vi a névoa a correr ao longe, Suave, doce e triste. Subi à montanha, Onde o ouro caía em folhas Vindas das suas entranhas. Na montanha sonhei. Na montanha esqueci. Na montanha vivi. Na montanha senti. Olho para ela, de longe, No meio da noite escura. Sinto o seu cheiro, Vislumbro as suas formas, E recordo a sensação de paz. Paz pura e alegria fugaz. Subi à montanha. Subi, toquei e amei a rocha dura.

Toca a sacar!

Não tenho medo do poder, ou não deveria! Não me inquieta, pelo contrário, chega a ser tranquilizante. O meu problema são as pessoas que o tem nas mãos. O poder é indispensável e vital para manter a ordem e garantir os direitos dos cidadãos. No entanto, em termos práticos, há quem o use de forma arbitrária, cega, distorcida, despropositada e, até, ofensiva, sem deixar de manifestar a faceta mais ordinária, baixa e mesquinha do seu esqueleto, a humilhação. Uma contradição absoluta, se o poder é a base do equilíbrio e da harmonia da sociedade, também pode, em determinadas circunstâncias, e sem razão aparente, causar prejuízos na alma de cidadãos inocentes, confiantes de que quem detém o poder os está a proteger. Uma ironia, o cidadão ser vítima do poder que é considerado como a base da harmonia e da paz social. O dia-a-dia de um cidadão pode ser ferido a qualquer momento com as facas afiadas da ignomínia e da injustiça. O sentimento de revolta explode no momento. A tristeza fibrilha