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Sorriso dourado

Entrou no gabinete a esvoaçar como se fosse um anjo distraído que, por engano, quis meter-se comigo. Ofereceu-me um sorriso dourado. Desde muito cedo que comecei a pensar que os anjos deveriam ser brincalhões. Ainda bem que os há. Educadamente, perguntou se podia sentar-se. Gosto de ver uma pessoa com maneiras. O interrogatório iniciou-se com as formalidades habituais. À pergunta se andava bem de saúde, respondeu que sim, embora andasse em consultas para ver se engravidava. Ia fazer fertilização "in vitro". O sorriso esperançoso inundava o espaço, dando um colorido pouco habitual à conversa. Antes que dissesse mais alguma coisa, antecipou-se explicando a razão de ser da sua situação. Há onze anos, tinha na altura vinte, foi-lhe diagnosticado um tumor inoperável. Por causa disso teve de se submeter a tratamentos apropriados, os quais deverão ter originado a sua infertilidade. Enquanto ia ouvindo a descrição dos factos, alegre e de braço dado com uma enorme vontade de viver, lançava sorrisos dourados a testemunhar algo pouco habitual. A "vida" ia-lhe roubando a sua, mas não conseguiu. Sobreviveu e venceu. Agora quer gerar uma nova vida para provar que vale a pena viver. A fragilidade de uma existência consegue afrontar e agigantar-se perante a arrogância e a violência de algo incompreensível que, na sua errância e discricionariedade, faz o que lhe apetece em nome do destino ou de um deus escondido.
Ao sair perguntou se queria que fechasse a porta. - Não. Pode deixar aberta. Muito obrigado. Assim, consegui imaginar o sorriso dourado pelas costas durante mais alguns segundos. Imaginei que devia ir feliz com a ideia de gerar uma nova alma que testemunhasse a vitória da vida de um frágil ser humano contra a violência da existência ao serviço de um divino sem sentido. - Para quê tudo isto? Pensei. Não encontrei a resposta, mas fui suficientemente determinado: - Vai correr tudo bem. Olhou-me pela última vez e respondeu com o seu belo sorriso: - Vai, pois!

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