Deus e poesia


Tremo de medo e exaspero-me de indignação quando leio certas notícias em que a palavra Deus constitui o denominador de atitudes, comportamentos e decisões inexplicáveis e humanamente inaceitáveis. Não consigo compreender, e penso que nem vale a pena fazer qualquer esforço nesse sentido.
Não o conhecia. É um palestiniano que vive na Arábia Saudita. É poeta. Eu gosto de poesia, quase que poderia dizer que se Deus existisse tinha que ser forçosamente poeta, porque a poesia é a expressão mais pura de qualquer alma que pensa, sente e ama. Tem nome, chama-se Ashraf Fayadh. Está preso há 22 meses e acaba de ser condenado à morte por "insulto a Deus".
Não consigo compreender porque se matou e se continua a matar em nome de Deus. Não entendo por que razão alguém se imola em nome de Deus. Não compreendo quaisquer sacrifícios dolorosos por amor ao divino. Não compreendo e nem aceito. Não aceito que matem os que não acreditam em Deus, mas acreditam no amor, na tolerância, na paz, na beleza, no amor e, sobretudo, na poesia. Ponho-me a pensar o que me poderia ter acontecido se tivesse vivido há alguns séculos. Seria torturado e queimado. Não tenho qualquer dúvida. Safou-me o tempo que me colocou nesta época. Ponho-me a pensar o que me poderia ter acontecido se tivesse nascido naqueles lugares onde Deus ainda manda, mata e ofende qualquer ser humano através dos seus agentes tenebrosos. Seria morto à ordem de Deus. Tive sorte. O tempo e o lugar protegeram-me. Não digo que foi por graça e obra de Deus, porque se fosse ainda ficaria mais triste e desiludido.
Tento compreender a fé das pessoas. Respeito e prezo muito as suas formas de ser. Têm mais do que direito, porque julgam que é seu dever. Nada a criticar, nada a opor, tudo a respeitar. No entanto, não aceito que o nome de Deus seja utilizado, como foi no passado, e continua a ser no presente, como arma de morte e de sofrimento. É ignóbil, mas é uma realidade, é um insulto à razão, porque destrói qualquer coração. Quando se condena à morte um poeta por causa de Deus, então, é o mesmo que matar Deus, porque o verdadeiro Deus é a essência da mais bela poesia.
Sem poesia não há homens e sem homens não há Deus.
Afinal, para que serve Deus?
Para matar poetas?

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