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"VOU DAR UMA VOLTA"...

Amanhã vou dar uma volta. Pode ser que regresse, mas também posso não voltar. Não é propriamente uma viagem, mas uma ida até aos confins do meu interior. O que é que vou fazer, revirar a alma e procurar no sótão atulhado, e cheio de teias de aranhas, motivos ou objetos que alimentem a inspiração. Não é difícil. O problema é o pó do tempo. Mas com o pó sei eu lidar, tenho mais dificuldade com as pessoas. Eu compreendo-as. Nem invoco as razões. Faz parte   da minha natureza e de muitos anos a perscrutar corpos e almas. Custa-me imenso provocar dor, tristeza, raiva ou indignação. Neste mundo de comunicação intensiva, a falta de som, de cor, de calor, de expressão, cerce e até distorce os objetivos das palavras. Eu sei que fazemos parte do verbo. O problema é a conjugação com o sentir e a visão do próximo. Também me insurjo e até sou capaz de sentir raiva e indignação, mas tempero-as e acabo, muitas vezes, por engolir em seco, até porque este tipo de reação gera reação como se fosse

"FIM"...

Uma segunda-feira fresca, sem sol e sem movimento. Caem umas gotas de água como se alguém estivesse a tecer uma delicada cortina. Aguardo a hora da aula. É a ultima que vou dar. Simples. Provavelmente não vão estar mais do que meia dúzia de alunos. O habitual. Tenho a aula, nova, preparada há muito, mas irei comentar apenas a parte inicial. Não a vou terminar, eu é que termino. Estou sozinho. Não vou ter companhia e muito menos a festa do costume a enobrecer e a premiar quem lecionou durante tantos anos, mais de quarenta. Não esperei pela idade da jubilação. Saio agora, no momento certo, durante uma aula normal sem mais nada. Acompanho-me a mim próprio além das memórias de uma vida. Não sinto tristeza, não sinto angústia, não sinto qualquer espécie de alegria, apenas vou viver mais um dia. Vou terminar a minha carreira académica como se a morte fosse a verdadeira razão da vida, sair de cena. Lá fora tudo vai continuar na sua estranha e mais do que previsível rotina. Eu não fujo,

“Verde, azul e vida”...

Nem sempre acerto com o destino. Realmente não me lembro de alguma vez o ter descoberto. Nem sei o que é, se tem cor, cheiro ou som. Gosto de ver o verde que se desenha com ramos e folhas de recorte estranhos. Não sabem a razão. Eu também não. Mas mesmo que soubéssemos para que serviria tal conhecimento? Para nada, a não ser para provocar mais inquietação, não às florestas mas a mim. O azul vigiou-me durante a tarde. Estranhei o seu olhar e mais ainda o espanto do seu calor. Tudo é a fingir, o verde, o azul, o calor, o amor e a vida, menos a dor de quem continua acordado à espera de ser amordaçado pelo tempo e coberto pela escuridão do mais frio silêncio, o do esquecimento.

"TERRAS VAZIAS"...

Andei à procura de sentimentos, de emoções, de pessoas, de odores e principalmente de cores. Seduzem-me as cores, as que se vestem de verde são as mais misteriosas. São tantas as tonalidades que não consigo compreender o seu significado. São fábricas de vida que copulam constantemente com o deus sol. Talvez seja por isso que combinam tão bem, o amarelo dourado e os verdes amados. Passei pelos mesmos locais. Já os conheço, não são sempre iguais. Mexem-se ao sabor do vento e murmuram encantos aos olhos de quem os vê. Gosto de os ver, mesmo que o azul do céu, amuado como se fosse uma criança, não tivesse aparecido. O azul é mesmo assim, alegre, divertido, mas também trombudo e que gosta de ficar esquecido. Um rabugento que depressa aparece sedento dos olhares de todos os seres mortais ou se esconde sem razão. É belo por isso mesmo, instável como qualquer ser humano. Hoje não apareceu, espreitou, julgando que ninguém o via. Uma perfeita criança que vagueia no céu e nas lágrimas capazes de

"SOSSEGO"...

É estranho poder desfrutar o tempo sem o sentir. Vi-o a passear perto de mim. Não o ouvi, não o temi, e hoje não me incomodou. Quis provocá-lo. Como? Imaginando e escrevendo algo que ele já soubesse. Não me atrevi. Deixei-me ficar embrulhado em silêncio. Tenho medo do tempo. Conheço-o suficientemente bem. Tanto pode ser belo e simpático como malévolo e vingativo. Encolhi-me no sofá e fingi que me divertia com o filme que ia correndo. O cãozito, provocador, ajudou-me a fugir ao olhar do tempo. Não respeito o tempo. Nem sei para que serve. Talvez para me enganar dizendo que existo. Ainda estou a pensar em escrever, a única maneira que conheço de o provocar. Afinal de contas não passo de um pobre provocador. Gosto do sossego, mas sem umas gotas de provocação não serve para nada!

"O homem e as flores"...

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O dia foi diferente. Recebi uma notícia que aguardava há algum tempo. Fiquei tranquilo e até satisfeito. Entrei, oficialmente, num outro capítulo da vida. Sempre pensei que iria ser penoso, abandonar uma espécie de oásis para quem sempre labutou no deserto da vida. Mas não. Curiosamente fiquei calmo e até confortado. Nunca esperei, mas é verdade. Afinal consigo adaptar-me às mais diferentes circunstâncias da vida. - E agora? Pensei. - Vou oferecer uma pequena obra de arte a mim próprio para não esquecer este dia. Foi o que fiz. Ei-lo, "O homem e as flores", uma obra desenhada neste ano, no meu mês, com um olhar que poderia ser o meu, e com flores, o símbolo do efémero, da beleza, da simplicidade e da eterna esperança numa melhor vida.

O Pneu

Na altura não havia brinquedos. Fome de brincar e cabeça para imaginar eram coisas que abundavam. Quando os eucaliptos davam a pele, retirava uma faixa e com maestria infantil, a que não era alheia a perigosa navalha, sempre escondida dos graúdos, arranjava maneira de criar uma fantástica hélice que girava como se fosse a mais esplendorosa ventoinha. Depois era vê-la a girar à velocidade da minha corrida. Víamos quem corria mais depressa atrás daquelas belezas feitas com a pele descamada dos eucaliptos. Correr era uma necessidade. O corpo exigia insistentemente como se a vida quisesse andar atrás de um mundo que então via mas não compreendia. Fazia-lhe a vontade correndo com um velho arco ou a jogar à bola feita com meias velhas e trapos, os quais me valeram algumas tareias, porque nem sempre tinha discernimento para distinguir o velho do novo. Coisas da vida. O que gostava mais era de andar às corridas com os arcos. Não era fácil arranjá-los, logo, o melhor era ficar junto da oficina