A tarde de domingo já vai a meio. Chega o momento do ritual. Subo a encosta, palmilho velhas calçadas e não me cruzo com ninguém exceto com os meus pensamentos, cada vez mais silenciosos, cada vez mais tristes. Um silêncio debaixo do sol não é habitual, o silêncio só gosta de se manifestar sob o calor da lua, mas há momentos, a meio da tarde de domingo em que a lua e o sol se confundem. Momentos de silêncio. Sento-me a seu lado e só oiço o seu silêncio, um silêncio que perturba quem ouve e sente o estrebuchar de vidas. Hoje, naquele quarto mais pessoas foram visitar os seus, numa obrigação ou devoção, chamem-lhe o que quiserem, porque o rei e o senhor daqueles espaços é o silêncio, silêncio de almas que há muito abandonaram o corpo e o silêncio dos que sabem que ainda têm alma. Calados, todos. Um ou outro bocejo, como se o silêncio de corpos sem alma ainda fossem capazes de contagiar os sobreviventes. Olhar para um ponto distante e imaginário à espera de não sei o quê, algo que quebrasse o silêncio. Coçar a face como se os pelos crescessem mais depressa provocando prurido silencioso. Cabeças cabisbaixas, como se quisessem manifestar algum respeito pelo silêncio divino. Tanto silêncio. Não aguentei tanto silêncio e saí. Procurei um banco num espaço cheio de silêncios. Procurei sons. Ouvi o vento, um pardal e um cão a ladrar ao longe. O resto só o silêncio consegue ouvir. Eu não consigo, mas gostava de ouvir, talvez porque não tenha chegado a hora do meu silêncio.
Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite. Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.
Comentários
Enviar um comentário