A espécie humana apresenta características próprias,
sendo algumas particularmente interessantes, universais e tão frequentes que
esbarramos nelas a toda a hora, em todos os locais e níveis sociais. Pretendo
destacar uma delas que nos incomoda, que nos faz sentir pequenos, responsável
às vezes por elevados prejuízos, sofrimento físico, morte de alma ou
simplesmente por pequenos custos que com o tempo se esquecem; de qualquer modo deixam
sempre qualquer coisa a moer por dentro, alertando-nos para que não caiamos
novamente. Trata-se do engano.
A capacidade de enganar está muito disseminada, a
ponto de, em determinadas circunstâncias, chegar a ser considerada como normal,
como uma forma de vida, havendo técnicas mais ou menos elaboradas para conseguir
que as pessoas adquiram os serviços e os bens em causa. Neste caso basta ver a
publicidade que passa na televisão, abusiva, distorcida, eticamente condenável,
mas legal, em que vários agentes se "enfeixam" com a maior das
naturalidades. Muitas pessoas são "convidadas" para poderem vender a
sua banha da cobra. Estamos perante enganos "legais". Noutras
circunstâncias as coisas são mais complicadas, como é o caso de relatos de
pessoas que são burladas a torto e a direito por indivíduos sem escrúpulos. Somos
todos potenciais vítimas, mas o caso dos idosos merece particularmente atenção.
Caem com extrema dificuldade, agravando mais as suas condições de vida ao serem
espoliados dos seus parcos bens. Outros, mais organizados, arrebatam para longe
dos seus países pessoas ansiosas de deixarem a miséria, acabando por serem
exploradas a vários níveis, caso da escravatura sexual e dos migrantes que vão
trabalhar e que não recebem, verdadeiras formas de escravatura, fenómenos que
definem bem os seres humanos. Mas há, também, os de alto coturno, que
conseguem, através dos sistemas financeiro e económico, destruir as sociedades
como é o presente caso em que estamos todos envolvidos. Mesmo na área da saúde
esta é vendida com despudor de várias maneiras, apelando, por exemplo, à
ansiedade futura de doenças que nunca irão ocorrer e se ocorrerem não há
garantias de solução com as técnicas propostas. Sempre é uma forma de enganar,
quase que diria, ironicamente, "cientificamente comprovada", um termo
utilizado de forma abusiva em muitas circunstâncias. Há, também, burlões que
conseguem entrar em certos circuitos sociais, políticos e económicos, capazes
de distorcerem a realidade, criando novas expectativas e originando
"verdades de ocasião", que podem provocar prejuízos, isto para não
falar dos enganos mais comuns, os de natureza política. Mas afinal o que está
por detrás deste fenómeno? A crença de que os outros são honestos e capazes de
ajudarem o próximo, o que nem sempre é verdade e a facilidade de acreditarmos
em falsas promessas, a que podemos acrescentar ambições ocultas, típicas de
quem, também, pode "enganar o próximo". Quase que diria que o ser
humano "gosta" de ser enganado ou necessita de enganar para poder
atingir os seus objetivos, políticos, económicos, sociais, profissionais e,
até, religiosos.
"Meio mundo anda a enganar a outra
metade". Alguns nascem, vivem e morrem nas suas próprias metades, sempre
burlões ou sempre honestos, mas há também um grupo muito significativo que,
volta e não volta, salta de um campo para o outro, burlões hoje, vítimas
amanhãs. Por fim, há ainda aqueles que passaram "definitivamente" do
lado dos "burlões" para o lado dos "honestos". Quando tal
acontece falam com um à-vontade fora de comum, tornando-se em moralistas de
primeira e fina água. Será que estão verdadeiramente arrependidos? Não sei,
pode ser que sim.
Comentários
Enviar um comentário