Quando
comecei a ter algumas gramas de consciência
sobre a minha existência,
sem grandes explicações
para o efeito, porque as que ouvia cedo começaram
a ser postas em dúvida, verifiquei que
os seres humanos eram diferentes uns dos outros, mas havia muitos que faziam
gala dessa característica
usando argumentos para se destrinçarem,
por cima, sempre que podiam. Mesmo os mais pequenos, os da minha idade, arvoravam
a sua superioridade invocando a condição
profissional do pai, a pretensiosa aristocracia de um passado mais ou menos
remoto, os bens herdados, e, inclusive, lembro-me bem desse episódio,
ter uma avó ou bisavó
espanhola, como se isso fosse uma forma de exotismo, raro naqueles meios, o que
me confundia, já que tinha iniciado
a minha formação pessoal no ataque
aos "sacanas" dos espanhóis,
graças à
"eloquência" do meu
professor. A par deste episódio,
lembro-me da arrogância que alguns
mostravam sobre os seus semelhantes, humilhando-os, desprezando-os,
ofendendo-os a troco de nada. Que esquisito! Pensava eu na altura. Os homens de
sotaina, cabeção branco e coroa no
cocuruto faziam afirmações
curiosas: "somos todos irmãos",
"somos todos iguais ao olhar de Deus" e outras coisas do estilo, mas
que me pareciam mais retórica
de ocasião, ou do campeonato
da vida, do que outra coisa. Olhava para o lado e via bem como alguns eram
tratados, abaixo de cão.
São muitos os episódios
que na altura me marcaram, como o caso de um jovem negro, olhos tristes, o António,
atrás de uma janela do rés-do-chão
de uma pensão, trazido de África
pelo "dono" para cuidar dos filhos, que levava, desculpem-me a
expressão, fui sempre
advertido em criança para a não
usar, era feio, era grosseiro, mas agora uso-a sem contemplações,
"porrada" de três
em pipa. A agravar os casos da pretensa superioridade de seres humanos sobre os
demais, foi o meu conhecimento "precoce" sobre "aquilo" que
os nazis fizeram. Arvoraram-se numa raça
superior, como se tal fosse possível.
Os acontecimentos que me eram transmitidos, e os que ia constatando pela minha
"experiência", assim
como algumas leituras, sobretudo dos livros aos quadradinhos em que os
peles-vermelhas, considerados como inferiores e selvagens, eram mortos e
dizimados pelos brancos, permitiram-me concluir pela arrogância
da pretensa superioridade de muitos seres humanos.
Superioridade,
a que não é
estranha uma forma de "pureza", por vezes social ou económica;
frequentemente rácica, traduzida na
cor da pele, no antissemitismo; na genética,
com base numa aristocracia mais ou menos ranhosa ou numa bisavó
espanhola, mas sempre presente e preocupante. Não
há volta a dar-lhe.
Hoje
em dia, as novas tecnologias servem para todos os fins, mesmo para
"testar" ou "comprovar" a pureza da raça,
como aconteceu recentemente na Hungria em que um deputado publicou um
"certificado" testando que não
era possuidor de genes ciganos ou judeus! Uma aberração
que é de tomar em linha
de conta pela perversidade intrínseca.
Claro que foi feita a devida participação
judicial contra o laboratório
que fez a análise, mas é
mais do que certo que determinados movimentos, ou correntes ideológicas,
irão utilizar tudo o
que estiver ao seu alcance para manter viva a chama da superioridade e de uma
pretensa pureza racial, capaz de vir a queimar, mais uma vez, os outros, os
chamados normais ou inferiores. Esta fome de queimar os nossos semelhantes
nunca mais tem fim e, na minha opinião,
nunca terá. Afinal, começo
a ter razão, alguns (às
tantas demasiados) seres humanos deixam muito a desejar, não
aprendem nada com o passado e quando aprendem é
só para reforçar
tendências discriminatórias
e verdadeiramente anti-humanas. Este texto é
apenas o meu "certificado de estupidez" para muitas pessoas que se
arrogam ser superiores...
Excelente. Revejo-me no diz
ResponderEliminarDepois de ler não posso deixar de me lembrar de uma série de seres superiores que aqui encaixariam na perfeição. Alguns andam bem por perto...
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