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"Nesta igreja estâ a milagroza imagē"

Consegui acabar as consultas a tempo na parte da manhã. Desloquei-me até Pombal, onde almocei. Pedi grelhado misto à senhora, o habitual para quem se comporta como um animal que tem fome e que não está para experiências, gastando o pouco tempo do meio do dia. Enganou-se, trouxe-me entrecosto. Não disse nada, até agradeci porque foi super rápida o que me permitiria descansar um pouco e beber um segundo café, coisa que só faço aqui. Passei o rio, desloquei-me à esplanada e fiquei aborrecido. Não tinham posto as mesas e as cadeiras. Recusei ir para o interior do café. Com um dia destes seria uma heresia. Que fazer, então. Muito simples. Entrei na igreja da Nossa Senhora do Cardal, onde se encontra a "milagroza imagē", e aí permaneci até retomar o trabalho. É um local encantador, fresco, suave, elegante, excelentemente bem cuidado e vazio como é recomendável para uma pessoa como eu. Olho para as paredes e vejo nichos, santos e o local onde o Marquês descansou durante alguns anos, poucos, e que, certamente, caso lhe perguntassem, onde é que quereria ficar até ao fim da eternidade, ou coisa parecida, diria que era ali. Mas que raio de ideia teve o seu quarto sucessor quando o levou para Lisboa, um provinciano, vê-se mesmo. Levou o que restava dos seus ossos, mas o seu espirito está bem presente neste local. Eu gosto desta estranha combinação, confesso. Não é por motivos religiosos que entrei neste espaço, é "por motivos", como diz o José Raposo. Como não tomei o segundo café na esplanada em frente, onde teria oportunidade de ver os vivos, e os seus comportamentos, refugiei-me num dos mais belos, doces e tranquilizadores lugares que conheço. Ao meu lado direito vejo a lápide do Sebastião José Carvalho e Mello e três imagens da Nossa Senhora, entre as quais a tal "milagroza imagē". Já aqui estou há um bocado e não me cansaria se ficasse mais um pouco. Entretanto, escrevinho, já não sei por que razão, apenas porque considero o local muito convidativo à reflexão e à escrita. Tanta gente passou por aqui, tanta gente que chorou e tanta que se alegrou nesta bela igreja barroca, mas quantos escreveram? Não sei, às tantas mais do que eu penso, mas se não escreveram, então, escrevo eu e agradeço este excelente e estimulante café espiritual. Está-me a saber bem. Olho para dois fransciscanos, doutores, o São Boaventura e o São Luís, presumo que o de Anjou, e julgo aperceber-me de que deverão estar, também, em reflexão ou a escrever algo, naturalmente muito mais elaborado e profundo do que eu. De qualquer modo, agradeço-lhes terem-me deixado reflectir, ainda que humanamente, sobre a existência e a falta de um trivial café.
Vou-me embora, são quase duas horas. O trabalho urge


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