Avançar para o conteúdo principal

Trapaceiro profissional

Dia da mãe. Para poder chegar a tempo ao hospital, lembrei-me de ir pelo IP3 em vez do habitual trajeto ao longo do Mondego, por Penacova. Uma asneira das grandes, porque me tinha esquecido de que era dia do cortejo da queima das fitas, que o trânsito estava condicionado na zona dos Fornos e que a entrada da cidade está num caos naquele ponto.Tinha outras alternativas, conheço-as como as palmas das minha mãos, mas quando dou para a burrice, é dito e feito, são umas atrás das outras. Queria chegar a horas, não é que tivesse dificuldade em vê-la, dada a minha condição, mas queria fazê-lo acompanhado pelo resto da família. Uma estopada. Depois de assistir às infiltrações na fila do trânsito, tão típica dos portugueses, desrespeitando as normas básicas de civilidade, o que me incomoda sobremaneira, esbarrei nos semáforos da rotunda da casa do sal. Trata-se de um local apetecível para vários tipos de pedintes que, no momento da queda do vermelho, atacam os condutores dos veículos de todas as formas imagináveis e inimagináveis. Sinto um certo constrangimento sempre que sou abordado, ficando na dúvida sobre a real necessidade dos "salteadores do sinal vermelho". Desta feita, as filas eram enormes constituindo bons filões para os ditos. Para espairecer as minhas preocupações foquei a minha atenção sobre um pedinte de copo na mão, canadiana de apoio a uma marcha claudicante. Tentei fazer um diagnóstico. Pareceu-me que se poderia encaixar num quadro de paralisia cerebral devido à forma como se movimentava. Recolhia moeda atrás de moeda numa sequência impressionante. Faltava pouco para chegar a minha vez, e o sinal verde não caía. Entretanto, talvez cansado por se ter afastado demasiado, desistiu de continuar a pedir, subindo para o passeio para regressar à linha de partida. Não era só eu que estava a analisar o seu comportamento, a minha mulher também estava. Foi então que me chamou a atenção, estás a ver como está a caminhar o pedinte da canadiana? Olhei, e vi o gajo a caminhar como uma ligeireza verdadeiramente impressionante, sem qualquer anomalia. Incrível. Fiquei sem fala. Um trapaceiro profissional.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Fugir

Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite.  Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.

Nossa Senhora da Tosse

Acabei de almoçar e pensei dar a tradicional volta. Hoje tem de ser mais pequena para compensar a do dia anterior. Destino? Não tracei. O habitual. O melhor destino é quando se anda à deriva falando ao mesmo tempo. Quanto mais interessante for a conversa menos hipótese se tem de desenhar qualquer mapa. Andei por locais mais do que conhecidos e deixei-me embalar por cortadas inesperadas. Para quê? Para esbarrar em coisas desconhecidas. O que é que eu faço com coisas novas e inesperadas? Embebedo-me. Inspiro o ar, a informação, a descoberta, a emoção, tudo o que conseguir ver, ouvir, sentir e especular. Depois fico com interessantes pontos de partida para pensar, falar e criar. Uma espécie de arqueologia ambulatória em que o destino é senhor de tudo, até do meu pensar. Andámos e falámos. Passámos por locais mais do que conhecidos; velhas casas, cada vez mais decrépitas, rochas adormecidas desde o tempo de Adão e Eva, rios enxutos devido à seca e almas vivas espelhadas nos camp...

Guerra da Flandres...

Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão. Exmas autoridades. Caros concidadãos e concidadãs. Hoje, Dia de Portugal, vou usar da palavra na dupla qualidade de cidadão e de Presidente da Assembleia Municipal. Palavra. A palavra está associada ao nascer do homem, a palavra vive com o homem, mas a palavra não morre com o homem. A palavra, na sua expressão oral, escrita ou no silêncio do pensamento, representa aquilo que interpreto como sendo a verdadeira essência da alma. A alma existe graças à palavra. A palavra é o seu corpo, é a forma que encontro para lhe dar vida. Hoje, vou utilizá-la para ressuscitar no nosso ideário corpos violentados pela guerra, buscando-os a um passado um pouco longínquo, trazendo-os à nossa presença para que possam conviver connosco, partilhando ideias, valores, dores, sofrimentos e, também, alegrias nunca vividas. Quando somos pequenos vamos lentamente percebendo o sentido das palavras, umas vezes é fácil, mas outr...