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“Time me, gentlemen, time me”

O erro médico, a negligência e as respetivas responsabilidades são alvos de preocupação e de reflexão, quer por parte dos médicos quer por parte dos juristas e legisladores. O amplo leque das causas e fatores subjacentes ao seu aparecimento começa a ser melhor caracterizado. A história da medicina está repleta de inúmeros casos paradigmáticos de erros resultantes de vários fatores. No século XIX, um notável e distinto cirurgião escocês, Robert Liston, caracterizou-se pela rapidez e eficiência das suas práticas cirúrgicas, nomeadamente amputações dos membros. Na altura, não havia ainda antissepsia, nem anestesia, pelo que a rapidez da intervenção cirúrgica era crucial para o doente. Tornou-se no cirurgião mais rápido do mundo ao executar amputações em dois minutos e meio (recorde: dois minutos e vinte e oito segundos). Era muito vaidoso. De tal forma, que solicitava à assistência, muitos dos quais eram estudantes, que o cronometrassem: “time me, gentlemen, time me”! Claro que a sua rapidez originou alguns problemas, um dos quais foi ter cortado, involuntariamente os testículos a um dos seus doentes e o outro foi ter cortado os dedos do seu ajudante que acabou por morrer de gangrena, assim como o doente, além da morte por susto de um assistente ao sentir o contacto da faca, lançada por acidente pelo cirurgião, na sua região pudenda! Liston deve ter sido o único cirurgião a ter uma taxa de mortalidade de 300% numa única intervenção cirúrgica (morte do amputado, do ajudante e do assistente)! Claro que este “acidente” não afetou o seu prestígio.Hoje, a velocidade não conta como naquele tempo, por motivos óbvios, mas há outras pressões que podem condicionar o comportamento médico entre as quais se destacam as condições de trabalho e as “exigências” administrativas. Alguns responsáveis defendem que as próprias administrações dos estabelecimentos de saúde deveriam ser responsabilizadas em caso de negligência médica. Sendo assim, os administradores da área da saúde poderiam, também, ser igualmente corresponsáveis pelas “castrações” involuntárias praticadas pelos médicos que trabalham sob a sua direção (às vezes em que condições!).
Seria interessante, no futuro, ver quem é que desejaria ser administrador. “Castrados”? Nem pensar!

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