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Mensagens

A indústria da política

As sociedades, de tempos a tempos, sofrem grandes alterações, dando verdadeiros saltos, criando novas ordens e formas de estar. São os chamados fins de era. Devemos estar numa dessas fases, mas como duramos poucos anos de vida não vamos conseguir distanciar-nos, suficientemente, para ver a mudança em toda a sua plenitude. Daqui a umas décadas, ou mesmo muito mais, haverá quem estude este período e encontre matéria para definir o fim de uma era e o início de outra, período no qual fomos envolvidos sem nos apercebermos do verdadeiro significado do que irá aparecer no futuro. Somos protagonistas de uma mudança sem saber muito bem o que é que irá nascer. A quase totalidade de nós não passa de meros figurantes, mas mesmo assim participamos nos acontecimentos. Ouço e não compreendo muito bem o radicalismo e as opiniões de diferentes entidades, que, baseados nos seus partidos, ideologias e/ou doutrinas, manifestam uma discrepância tão forte, tão violenta e tão oposta face à realidade que nos ...

Parto da morte

O parto da vida pode ser muito doloroso, mas é compensado pelo calor de uma nova existência, embrechada de alegria e de esperança. O parto da morte pode ser muito doloroso e tem como compensação a libertação da existência, despejada de alegria e sem esperança. 
 Sei que o meu parto foi doloroso, mas encheu de felicidade e de alegria a minha mãe.
 Tento procurar entre o nevoeiro dos meus primeiros tempos de existência onde é que ela estava. Não consigo vislumbrá-la com clareza, talvez a voz, doce, talvez o calor do corpo, suave, talvez a luz da alma, brilhante, talvez tudo, misturado em proporções variáveis que, com o tempo, se materializou na sua figura, ou melhor, na sua presença. Uma estranha sensação de proteção, inebriante às vezes, cáustica e certeira noutras. São tantos, tantos os episódios de vida e de cuidados que guardo, tudo caldeado em belos e coloridos frascos de compota. Tantos sabores, tantas cores, tantos episódios, tantos carinhos, tantas tareias, tantos afectos, tantas...

Efeitos do sol

O calor do meio-dia é estranhamente arrasador, sobretudo nesta rua, neste passeio e deste lado, do lado do sol. Credo, por que será? Ainda tentei passar para o lado oposto, mas a preguiça, o receio de ser atropelado e a estranha convicção de que os poucos metros que me faltavam percorrer pudessem ser transpostos sem problemas de maior, obrigaram-me a permanecer naquela margem que mais parecia a antecâmara do inferno. A cabeça começou a escaldar, o que não é muito bom, e recordei-me de imediato dos velhos conselhos da minha avó e tias que afirmavam solenemente que a causa da meningite era o sol, facto que fazia com que ficasse proibido de sair de casa à hora do calor. E quem apanha uma meningite morre, e se não morrer fica tolinho. "Queres ficar tolinho como o e a...", de seguida enumerava várias pessoas que eram mesmo tolas e tolinhas. Não é que me convencessem muito, mas não sabia e nem tinha argumentos para lutar contra afirmações tão "científicas". Só encontrava ...

Pera

Talvez por ter comido uma suculenta pera, lembrei-me de uma frase de um grande escritor português que considera que, para si, escrever é como uma pereira a dar peras. Mas há quem tenha o condão de pertencer a uma espécie e dar frutos de outra, o que é mais aliciante, porque é entrar no reino da fantasia ou da loucura, tanto faz, sempre é melhor do que enfrentar a realidade do quotidiano. Há, também, os que escrevem, não para dar peras, mas, para fugir, para atemorizar, para amar, para ofender, para criticar, para matar, para salvar, para se entreter, para seduzir, para enganar os outros ou a si próprio e para enlouquecer. Estes últimos não são comuns, talvez porque escondem os seus escritos ou por terem ainda algum resto de consciência de que podem contaminar os outros. Um louco não gosta que o imitem, quer o mundo só para si, o que não é difícil, porque sabe construí-lo à sua maneira. E fazem muito bem, pelo menos não tem que aturar a estupidez dos normais, que é incomodativa, sufocan...

Conversa arqueológica

Entrou no gabinete com determinação, denotando alguma expectativa, sem conseguir esconder um ar inquiridor misturado com uma beleza natural e uma tonicidade física de pessoa saudável. Após as formalidades habituais, indispensáveis a uma relação equilibrada, perguntei-lhe em que é que ia trabalhar, respondeu-me, vender aço. Vender aço? Sim. É o primeiro emprego? Não! Sou arqueóloga. Arqueóloga? Foi o suficiente para adiar o exame e passei ao ataque, perguntando-lhe onde é que tinha trabalhado. Confessou-me que trabalhou durante sete anos em muitos sítios e passou a descrevê-los. Como sou um curioso empedernido ia-lhe dando lastro, vendo perfeitamente que a menina estava a gostar do meu interrogatório. Perguntei-lhe quais as descobertas que fez, quais as que lhe deram mais satisfação, o que originou ondas de respostas adequadas para fazer surf na ciência arqueológica. Falar a alguém daquilo que sabe e de que gosta é a melhor oferta que se pode fazer. Admirada com o meu comportamento, per...

Pois é!

Uma das maiores preocupações do homem é encontrar causas para justificar os muitos fenómenos que o circundam. Esta observação aplica-se a todos os campos do conhecimento. Trata-se de uma forma de ver o mundo que não é de hoje, foi objeto, há muitos séculos, de análise e reflexão que culminou na famosa Lei da Parcimónia, também conhecida por Navalha de Ockham. Segundo este princípio, devemos eliminar todas as premissas exceto as absolutamente necessárias à explicação de um fenómeno. Ockham, no seu desejo de conhecer e interpretar o Universo, considerou que a Natureza é intrinsecamente económica (“Não multiplicar as entidades para lá da necessidade” e a entidade dele «necessária» é Deus) logo, esta, a Natureza, deve escolher a via mais simples. Há aqui algo de novo, é compreensível que a Natureza escolha as vias mais simples. No entanto, pretendo por em causa, dentro de certos limites, naturalmente, que o princípio definido por Ochkam não ajuda a resolver alguns problemas. Muitos deles s...

Dionísio numa noite de domingo...

Hoje, recebi um email do meu banco a informar de que posso adquirir uma caixa de vinho distinto, seis garrafas. Dão-me esse privilégio. Não costumo ler estes emails. Li-o e fiquei confuso. O preço é excessivo, penso eu, 237,00 euros, embora esteja incluído tudo. Eu gosto de bons vinhos, confesso. Presumo que este deve ser mesmo especial. Mas, a par da oferta, o banco, preventivamente, foca um outro aspeto, a possibilidade de obter um crédito para a sua compra, e especifica as condições: "TAEG de 20,0%, TAN de 16,000%, prestação mensal de € 45,93 para um exemplo de um financiamento de € 500 a 12 meses. Montante total imputado ao consumidor de € 555,70, incluindo juros e Imposto do Selo pela utilização do crédito e sobre os juros". Credo! Crédito para comprar meia dúzia de garrafas de vinho? Este pequeno reparo fez-me lembrar a dificuldade que tive em encontrar um restaurante para jantar no último domingo. Dei uma volta pela zona. Ao chegar a Mangualde, convencido de que poderi...

Emoção!

Emoção. Quem é que nunca a sentiu? O que significa? Para que serve? Como a definir? Curtas questões que merecem alguma reflexão. A morte de Neil Armstrong obrigou-me a saborear o seu significado e a criar uma imagem de forma a retê-la para o futuro. Sem esforço surgiu-me uma bela queda de água entoando sons encantadores impregnando os minúsculos espaços vazios deixados pela miríade de gotas de água com as quais os raios de sol se entretêm a brincar, desenhando coloridos quadros da vida. Emoção, combinação da pureza da água, da alegria da luz, do canto de sons únicos, do calor do sol e do doce sabor que tamanha visão pode proporcionar. Quando surge, desaparece tudo. É o momento em que a verdadeira essência da vida consegue manifestar-se em toda a plenitude, embora numa pequena fração de tempo. A eternidade só teria sentido se se confundisse com este sentimento. Foram muitas as situações que me provocaram tamanha sensação. Muitas e múltiplas. A visão do corpo sem vida da minha amiga de ...

"Sorriso diabólico"

Levanto-me depois de uma noite de pesadelos, coisa muito pouco habitual. A esta hora ainda consigo lembrar-me de algumas passagens desse filme, um terramoto com edifícios a deslocarem-se por inteiro em betesgas e a tombarem uns sobre outros, enquanto via as pessoas desesperadas a gritar dentro deles, e eu, não sei por que carga de água, conseguia sempre evitar os acidentes e ainda aproveitava a deslocação dos edifícios como se fossem trenós. É o diabo, é o diabo que anda à solta, ouvia perfeitamente por tudo o que era sítio. Não sei se posso considerá-lo como um verdadeiro pesadelo, porque não me recordo de ter tido medo ou manifestações de ansiedade. Agora que penso nisso tenho uma explicação para tão insólito sonho. Quem é que me mandou andar a escrever sobre "o dia em que o diabo anda à solta"? Bem feita, pões-te a dissertar sobre certos temas e depois tens a paga. Paciência, pensei. Abro a televisão e vejo a notícia sobre a condenação de Breivik, o norueguês responsável p...

Espermatozoides velhos? Velhos são os trapos!

Diariamente surgem notícias que abalam algumas convicções e promovem uma certa ansiedade quanto ao futuro da nossa espécie. Faz capa de muitos jornais a notícia de um trabalho realizado com base no genoma da única população mundial onde isso é possível, a islandesa, revelando que, "a cada ano que passa, os espermatozoides do pai têm, em média, mais duas mutações novas no seu genoma que transmitem aos filhos". Sendo assim quanto mais velho for o pai maior é o risco de mutações que, neste estudo em concreto, estaria associado a um aumento da esquizofrenia e do autismo. É um facto que estas duas doenças estão em crescendo, havendo quem fale de uma epidemia de autismo. Relativamente a esta última, foi implicado há alguns anos a utilização de um composto mercurial, conservante das vacinas, como sendo o principal responsável originando uma fobia social a vacinas sem precedentes, o que fez com que muitas crianças deixassem de poder usufruir os benefícios da maior conquista da medici...

"Santo Soldado"

As lendas não são mais do que lembranças de memórias coletivas embriagadas de desejos e aspirações. Muitos factos são reconhecidos ao acordar, mas, face às imperfeições, exigem sucessivos retoques, qual deles o mais fantasioso e o mais belo. E assim, pincelada sobre pincelada, palavra sobre palavra, som sobre som, constrói-se um final, ou algo parecido, que, ansiosamente, pede para ser perpetuado. As lendas têm esse condão, pedem para que as perpetuemos, precisam do nosso sopro de vida e em troca concede-nos o dom de as recriar, alimentando a nossa imaginação. Não há vila, cidade ou lugarejo que não tenha a sua lenda, que a alimente, que a projete e que a proteja. Andei por várias localidades, casualmente tropecei com algumas lendas que já conhecia, outras não. Sou um amante de lendas, nelas vejo um passado cheio de fantasia, de amor, de sofrimento, de fome, fome de justiça, fome de esperança e fome de felicidade, mas também me cativa fazer as minhas próprias interpretações. Noite de ...

Noite...

Por mais que viva não consigo conciliar certos acontecimentos que me fazem despertar sentimentos e emoções tão díspares. Além de não conseguir fico com uma estranha sensação de que algo não está bem ou, então, acabo por sentir uma indisposição na alma que não me deixa em paz. Estou em férias e tento descansar no verdadeiro sentido do termo. Mas como é já habitual, acabo por ter de passar por situações menos agradáveis. É uma sina a que não consigo fugir. Eu queria descansar o corpo, mas também a alma. O primeiro ainda vai resfolgando na modorra estival, mas a alma não tem esse direito. Um amigo, a quem foi diagnosticado uma situação grave, muito grave, e com quem tive há poucas semanas a última conversa, tem-me perturbado o meu sossego. Nesta semana, tive de tentar arranjar outros meios, mais sofisticados, para poder aliviar-lhe o seu sofrimento. Contactos, mais contactos e ficou tudo preparado para que na segunda-feira pudesse dar início à última fase da vida, minimizar as excruciante...

Que mundo tão estranho!

Há histórias que não sendo originais acabam sempre por nos fazer refletir sobre a condição e a pretensa superioridade dos seres humanos que, segundo alguns, foi definida por interesses divinos, o que é de desconfiar. Descanso na esplanada, junto à ribeira, que chora de tristeza pela forma como a têm tratado ultimamente. Nota-se que perdeu a alegria, já não consegue elevar-se com o seu habitual cheiro de água fresca. Está envergonhada, e eu também. Conseguimos partilhar o mesmo sentimento, vergonha. A minha mulher senta-se a meu lado, depois de ter ido assinar um documento qualquer. Conta-me que encontrou uma pessoa conhecida. Está velho. Sim? É verdade. Disse-me que estava no advogado para tratar uns assuntos nada agradáveis por causa dos irmãos. - Mas vocês, os setes, eram tão amigos, tão juntos. - Pois éramos. Continuei no meu silêncio de espanto para a estimular a contar mais pormenores. - A mãe morreu-lhe e antes de morrer foi um corrupio, doente, esteve em sua casa e depois teve...

"Mimi"...

Tenho muitos hábitos com os quais me dou razoavelmente bem. Um deles é não planear uma saída, vou à deriva, à bolina, esperançado em encontrar algo que me dê prazer, qualquer coisa nova, desconhecida, de preferência ambos. Nem sempre acontece, mas também não me lembro, o que é natural, mas quando encontro sinto uma enorme satisfação, e não me esqueço. O dia, que deveria ser de verão, despertou aborrecido, com saudades de uma boa invernia, acontece quando se inicia os idos de agosto. Mesmo assim embiquei em direção a Viseu, cidade onde vou cumprir ritualmente promessas que nunca prometi. O instinto levou-me à procura de uma pequena peça, fosse o que fosse, desde que me desse satisfação e prazer. Desta feita não encontrei nada que me agradasse. Paciência. Entrei no recinto da Feira Franca, onde vou há dezenas de anos. Apesar de todas as modificações operadas nos últimos anos, continua a mostrar teimosamente uma velhice resistente a quaisquer liftings ou operações plás...

"Não sei o que se passará quando estiver morto"

Ontem, um amigo enviou-me um pequeno texto, publicado no El País, com o seguinte título, "O que se passa quando estou morto?". Um texto escrito por um filósofo espanhol, Isidoro Reguera. No fundo, trata-se de uma análise à obra de um cardiologista holandês, Pim van Lommel, que, com base na sua experiência em lidar com situações de "quase morte", escreveu um interessante artigo científico, publicado numa das mais prestigiosas revistas médicas, e que agora desenvolveu concetualmente numa obra, um best seller, "Consciência além da vida". Em síntese, o autor tenta demonstrar, ou melhor, equaciona a hipótese de que a consciência existe independentemente do corpo. Põe em causa as hipóteses habituais para explicar a vivência que algumas pessoas têm quando "morrem" e depois regressam à vida. Não é um fenómeno comum, de facto, muitos dos que o experimentaram ficaram aborrecidos com a "reanimação" e passaram a ser diferentes, perdendo o medo à mo...