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"Sorriso diabólico"

Levanto-me depois de uma noite de pesadelos, coisa muito pouco habitual. A esta hora ainda consigo lembrar-me de algumas passagens desse filme, um terramoto com edifícios a deslocarem-se por inteiro em betesgas e a tombarem uns sobre outros, enquanto via as pessoas desesperadas a gritar dentro deles, e eu, não sei por que carga de água, conseguia sempre evitar os acidentes e ainda aproveitava a deslocação dos edifícios como se fossem trenós. É o diabo, é o diabo que anda à solta, ouvia perfeitamente por tudo o que era sítio. Não sei se posso considerá-lo como um verdadeiro pesadelo, porque não me recordo de ter tido medo ou manifestações de ansiedade. Agora que penso nisso tenho uma explicação para tão insólito sonho. Quem é que me mandou andar a escrever sobre "o dia em que o diabo anda à solta"? Bem feita, pões-te a dissertar sobre certos temas e depois tens a paga. Paciência, pensei. Abro a televisão e vejo a notícia sobre a condenação de Breivik, o norueguês responsável pela horrível matança. O olhar e a forma como sorria, à medida que a juíza ia proferindo a sentença, assustou-me. Senti medo e até ansiedade. Vi aquilo que posso considerar como o mais diabólico sorriso. O mal consciente, a verdadeira personificação do diabo estava ali, satisfeito por não o terem considerado como doente mental, mas como alguém que soube o que fez. Sem qualquer manifestação de remorso, pelo contrário, via-se uma estranha satisfação, prazer mesmo, sensação de superioridade face às vítimas, face à justiça e face à humanidade. Foi condenado a vinte e um anos, mas no final pode continuar por períodos de cinco anos a solicitação do ministério público norueguês. Ou seja, na prática, devido a ser altamente perigoso, não mais sairá da prisão. Ainda bem. Deus queira que sim. Neste caso nunca poderá ter um dia livre por ano, que, segundo a tradição, São Bartolomeu, o guardador do diabo, lhe concede por comiseração. No dia em que "o diabo anda à solta" a sentença proferida pelos seres humanos irá encarcerar até à morte o diabo. Sim, ele existe, eu vi-o, e não quero vê-lo mais.
Não quero ver aquele sorriso, nunca mais.

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