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"Não sei o que se passará quando estiver morto"

Ontem, um amigo enviou-me um pequeno texto, publicado no El País, com o seguinte título, "O que se passa quando estou morto?". Um texto escrito por um filósofo espanhol, Isidoro Reguera. No fundo, trata-se de uma análise à obra de um cardiologista holandês, Pim van Lommel, que, com base na sua experiência em lidar com situações de "quase morte", escreveu um interessante artigo científico, publicado numa das mais prestigiosas revistas médicas, e que agora desenvolveu concetualmente numa obra, um best seller, "Consciência além da vida". Em síntese, o autor tenta demonstrar, ou melhor, equaciona a hipótese de que a consciência existe independentemente do corpo. Põe em causa as hipóteses habituais para explicar a vivência que algumas pessoas têm quando "morrem" e depois regressam à vida. Não é um fenómeno comum, de facto, muitos dos que o experimentaram ficaram aborrecidos com a "reanimação" e passaram a ser diferentes, perdendo o medo à morte e tendo atitudes com a família que merecem ser esclarecidas. É provocante, não é esotérico, abana a ciência, mas o facto de a consciência ser considerada como "não localizável", ou seja, existe sem espaço e lugar concretos, abala seriamente os tradicionais paradigmas científicos. É um pouco difícil aceitar e até seguir a tese em causa. No entanto, mesmo que não haja fundamentos para esta visão, considero que, sob o ponto de vista cientifico, é sempre bem-vinda toda a opinião que nos obrigue a pensar e a investigar. Há aqui algo de quântico associado com a consciência. É provável que sim. Ao ler e reler o texto do filósofo espanhol, e ao ler o artigo científico publicado por van Lommel, no The Lancet, veio-me à ideia dois acontecimentos. O primeiro com a única experiência de "quase morte" que tive, enquanto jovem médico, quando reanimei uma pessoa que tinha "morrido". A propósito deste assunto já alinhavei, em tempos, um pequeno texto, intitulado, "Quase morte". O segundo aspeto tem a ver com o ICloud. Esta forma de manter presente em qualquer sítio as nossas informações é uma espécie de memória de uma consciência informática sem "corpo". Não sabemos onde está, está em toda a parte e em parte nenhuma. Reconheço que estamos perante uma nova área capaz de desmembrar conceitos clássicos e, mesmo que não venha a ser comprovada a tese em causa, é capaz de originar novos conhecimentos impossíveis de prever.
A ciência tem destas coisas, não explica tudo, mas abre-se sem preconceitos a novas ideias sabendo que só assim o mundo pode evoluir.
Não sei o que se passará quando estiver morto. Também nenhum morto regressou para contar, os que regressaram é porque não estavam mortos, mas sim "quase", pelo que não é correto dizer que se tratavam de casos de experiências depois da morte. Mas, se se provar a tese de van Lommel, então, deverá haver no espaço, onde não sei, mais de cem mil milhões de consciências, as correspondentes aos seres humanos que já habitaram este planeta, uma espécie de ICloud à espera de ser utilizada. Agora é preciso arranjar o respetivo hardware, se conseguirmos, claro, e também equacionar a seguinte pergunta, valerá a pena?

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