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Pois é!

Uma das maiores preocupações do homem é encontrar causas para justificar os muitos fenómenos que o circundam. Esta observação aplica-se a todos os campos do conhecimento. Trata-se de uma forma de ver o mundo que não é de hoje, foi objeto, há muitos séculos, de análise e reflexão que culminou na famosa Lei da Parcimónia, também conhecida por Navalha de Ockham. Segundo este princípio, devemos eliminar todas as premissas exceto as absolutamente necessárias à explicação de um fenómeno. Ockham, no seu desejo de conhecer e interpretar o Universo, considerou que a Natureza é intrinsecamente económica (“Não multiplicar as entidades para lá da necessidade” e a entidade dele «necessária» é Deus) logo, esta, a Natureza, deve escolher a via mais simples. Há aqui algo de novo, é compreensível que a Natureza escolha as vias mais simples. No entanto, pretendo por em causa, dentro de certos limites, naturalmente, que o princípio definido por Ochkam não ajuda a resolver alguns problemas. Muitos deles são extraordinariamente complexos e exigem uma abordagem multifactorial, o que não é nada fácil de fazer. Vejamos o seguinte exemplo, obesidade. A grande maioria dos peritos, e não peritos, abordam esta temática de uma forma extraordinariamente simples, falta de exercício e aporte exagerado de energia. Quando ambos estão presentes ficam criadas as condições para o seu aparecimento. Logo, toda a política de ataque ou de aproveitamento da obesidade passa a ser centrada no "faça exercício" e "consuma menos energia". Mas as coisas não são tão simples como isso. Existem muitos outros fatores que merecem ser destacados. Ultimamente, ao ler a comunicação social, vi que alguns estudos apontam para o efeito de antibióticos nos primeiros meses de vida que podem modificar a flora intestinal, provocando condições para uma maior propensão para a obesidade. De facto, há muito que se sabe que os antibióticos são utilizados na indústria animal para favorecer a "engorda". Agora querem transpor para a nossa espécie tal conhecimento. A seguir, nem passados três dias, vem nos jornais a notícia de um trabalho científico que afirma que o não respeito pelo ritmo circadiano também pode ser responsabilizado pela epidemia da obesidade. Já estou a ver o amigo da onça a dizer para o obeso, olha lá, o teu médico deve ter-te enfardado em criança com antibióticos e depois puseste-te a fazer da noite dia e do dia noite! Seria possível continuar a enumerar muitos outros fatores para explicar este problema, como os epigenéticos ocorridos durante a gravidez, e até nas gerações anteriores, que atingiram os pais e avós, até certos poluentes químicos e determinados agentes microbiológicos. No fundo, é preciso "complexizar" a abordagem de um problema a fim de não descurar as múltiplas vertentes do mesmo, permitindo definir as melhores políticas para o seu combate e prevenção. Isto, no pressuposto de que a associação existe mesmo, mas as coisas na prática dão-nos muitas dores de cabeça, obrigando a um constante reformular de conceitos e paradigmas. A ciência é mesmo assim. A par do que acabei de enunciar, um outro estudo pôs por terra o paradigma de que a restrição calórica seria o verdadeiro elixir da juventude. Muitos estudos experimentais, realizados em diversas espécies, comprovaram que a diminuição da ingestão calórica era acompanhada de um aumento significativo do prolongamento da vida. Pois é, parece que não se aplica à nossa espécie. E agora? Agora temos de reconverter certos conceitos, mas, vá lá, a restrição calórica não prolonga a vida mas melhora a qualidade de vida. O que já não é mau.
Estes pequenos exemplos demostram a forma simplista como são analisados determinados fenómenos. Nos "entretantos", muitos conselhos, muita prosa, muitas condutas e muitos aproveitamentos, de natureza variada, foram realizados. À simplicidade é preciso contrapor alguma "complexidade", de forma a evitar a criação de certos estereótipos, que podem ser contraproducentes e indevidamente utilizados. O mundo da ciência é mesmo assim. O pior que pode acontecer é ter de desmontar certas ideias, sobretudo quando passaram a estar intimamente ligadas a interesses económicos, a novas indústrias e até a certas formas de "religionismo científico".
Pois é! É preciso usar uma navalha para cortar "velhas" ideias, mas não a de Ockham.

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