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Mensagens

Pecados

Acompanho como qualquer cidadão a vida e os comportamentos dos papas e das altas autoridades religiosas. Aprecio o conteúdo dos seus discursos, simples e fáceis de prever. Prédicas que se repetem amiúde. Em grande parte dos casos tentam ajustar-se às novas/velhas realidades sociais invocando o nome de Deus e a sua infinita bondade. Como é que fazem? Habitualmente pedindo perdão por acontecimentos do passado e que, não obstante a passagem do tempo, continuam a manchar as suas missões. Além de pedirem perdão também concedem perdão aos pecadores. Depois, noutros casos, aparentemente complicados para a filosofia que defendem, tentam abrir as portas concedendo alguma "coisa" que, com o tempo, terão de ser aceites. Tem de ser devagarinho para não causar grandes transtornos à organização. No entanto, há um aspeto interessante que merece ser realçado. De quando em vez declara-se um ano "jubileu", e à sua sombra são concedidos perdões aos pecadores. É como colocar o "co...

Desconfiar

Causa-me imenso transtorno ver o que se passa em certos setores da nossa sociedade. O caso da banca é paradigmático. Como é possível ter caído numa sucessão de crises em que a falta de respeito e de confiança passaram a ser a sua imagem de marca? A banca é useira e vezeira em convencer muitos depositantes a escolher determinados produtos que "são" muito mais rentáveis do que os tradicionais e "seguros" (?) depósitos. O senhor, de idade, foi ao banco buscar aquilo que julgava ser seu. Não trouxe nada, porque tinha investido em obrigações e outras "coisas" que lhe foram sugeridas pelos funcionários do banco. Disseram-lhe que rendia mais e que de seis em seis meses receberia juros sem problemas; o dinheiro estava seguro. Sorri com tristeza, porque induzir um idoso é muito fácil. Basta colocar gente bem-falante, e devidamente treinada, sempre de gravata ou, no caso de ser uma senhora, saia e blusa bem combinadas, aspeto bem cuidado, e que, por cima, trabalha...

"Raspadinhos"

Observo sem surpresa os "investimentos" nos jogos da Santa Casa da Misericórdia. Um balúrdio! Fiquei também a saber que os portugueses começaram a gastar mais na "raspadinha" do que no euromilhões. Ganha-se menos, mas ao menos sabem logo se vão ter prémio ou não. No caso dos prémios pequenos são de imediato gastos em mais raspadinhas. Não sei se não iremos assistir a uma nova patologia, não profissional, mas lúdica, a "tendinite da raspadinha". Chega a ser epidémico e muito preocupante o número de pessoas que, freneticamente, raspam, raspam, para ganhar uns euros que são logo investidos em mais cartões. No final poucos irão obter lucros. Quem ganha é a Santa Casa que lá vai dando um ou outro prémio mais "chorudo" para reforçar a ideia de que consegue fazer feliz alguns portugueses. Não estou certo disso, pelo contrário, despendem as parcas economias e caem no desejo de jogar cada vez mais, viciando-se. É muito fácil ficar dependente de qualquer j...

Cinzento

Dominar o cinzento dos dias que deviam ser festivos é lutar contra a força selvagem e dominadora da vida. Não é fácil. Dói. Mesmo que queira socorrer das mais belas cores da imaginária palete, que transposto escondida no fundo da minha alma, ao tocar-lhes consigo transformar os mais quentes, sedutores e inspiradores tons no mais vulgar e ordinário cinzento, capaz de pintar as imagens da tristeza e do medo que me perseguem em certos momentos da vida. Hoje foi um desses dias. Hoje? Não! São vários os dias que me atormentam numa repetição cíclica a querer recordar que tudo gira em volta de um ponto. Tento esquecer, faço por fingir e aguardo ansiosamente o partir da angústia e do medo. Desenho quadros e vivo com intensidade o passado como a querer esconjurar o medo do futuro. Depois o medo adormece. É o momento em que as recordações desenhadas com tristeza surgem com estranha beleza; suaves, coloridas e desejadas sob o novo sentir. Tenho pena de não as ter vivido no momento certo. Pinto a...

Imaginar

Correr lugares já conhecidos permite saborear velhos gostos, tempos e momentos. Faço-o com alguma frequência. Cruzo a minha vida com a de outros dos quais apenas reconheço que são portadores da essência da vida. Não sei o que pensam e quem são. Movem-se e olham em redor no momento em que passo. São pessoas obrigadas a viver e a partilhar os seus sentires. Ponho-me a imaginar quem são. Provavelmente o meu pensar não coincide com a realidade. Não importa, ficcionar é a forma mais elegante de construir a realidade desejada e não a esperada. Aprendo muito. Reconheço a minha permanente forma de tentar compreender pequenos gestos, breves acontecimentos e o circular de sentimentos anónimos e ricos em sabedoria perdida como sendo a fonte da água da verdadeira vida. Deslumbrei-me com a velha capela conhecida e consegui ver numa perspetiva diferente o arco da sua torre sineira. Vi a varanda de madeira, a fonte real, os velhos solares, os templos de muitas vidas e de muitas mais lembranças, velh...

Incomodar

Aceito as opiniões de quem discorda do que escrevo. Não é difícil. Aceito não por causa dos argumentos, pobres, deficientes, tendenciosos e reveladores de uma incapacidade em compreender as diferentes visões do mundo, mas por serem manifestações naturais de seres vivos presos a preconceitos e convicções. Só não consigo compreender é a razão porque me leem, a não ser porque seja capaz de incomodar. Incomodar não é o mais importante, o que importa é tolerar, respeitar e saber amar.

Paredes velhas

O quadro está à minha frente. Nasceu de uma lembrança, navegou numa mensagem e chegou ao conhecimento do artista. Deve-lhe ter despertado recordações e emoções em rápidas viagens de saudade ao seu passado. Não nasceu apenas das mãos do autor, surgiu da sua memória. Imagino que naquele espaço tenha sentido e vivido o que nunca mais irá sentir, ver, saborear, tocar ou olhar. A luz da manhã entraria pela janela que se fechava para o espaço envolvente enquanto se abria para a sua mente. O sol já apareceu e bateu-lhe como nos outros tempos. As cores sujas das paredes acentuaram-se durante alguns momentos como se estivesse a sorrir. O branco emergiu limpo e o amarelado intensificou-se como se fosse a cor do sol. Até o cinzento-escuro provocado pela humidade e a passagem do tempo adquiriu vida. As paredes velhas a meias com duas figuras humanas testemunham a presença de almas naquele espaço aparentemente perdido e cheio de encanto. Aves sobrevoam. Os quadros não falam mas obrigam a sentir...

Migalhas doces

Assusta-me viver. À medida que o tempo rebola no universo sem fim, sinto cada vez mais vontade de saborear pequenas gotas ou migalhas doces de vidas que ainda se desenrolam perante mim. É o que faço diariamente. Encontro, ouço, vejo e sinto que o viver dos outros, seres que nunca vi, encerram em si o segredo da vida. Pequenas frases e olhares subtis explicam mais do que todas as palavras, tratados, poesias ou lições que já li ou estudei. No segredo do anonimato de uma curta conversa ou breve encontro acabo por me encontrar. Ninguém mais sabe. Não importa, outros, como eu, devem sentir o mesmo; o segredo é saber saborear a presença de alguém que sabe partilhar a poesia da vida. Simples, fugaz, profundo, colorido, sentido e tão esquecido. Não há dia que Deus bote ao mundo que não encontre alguém desconhecido que me ajude a viver. Viver assusta. No entanto, as vidas de pessoas anónimas, simples e esquecidas fazem lembrar as inúmeras espécies de flores silvestres que aparecem a qualquer m...

Arte

Portugal sofre uma profunda crise. Não é a primeira vez que acontece. Ciclicamente renova a miséria como se fosse o fatal destino traçado por deuses imbecis ou embriagados. Nunca compreendi muito bem a razão de ser de tanta pobreza amancebada com a sua eterna amante, a tristeza. Por vezes enlouquece. São breves momentos em que uma efémera riqueza alucina um povo que passa a sonhar acordado. Depois, o sono da morte obriga-o a ter de sofrer a dor da ausência e a beber os dias cinzentos em que o sol da esperança se ausenta, deixando atrás de si a fome e o amargo desejo de se afogar na violência do tempo e do esquecimento. Vivi todos os tipos de tempos que Portugal já viveu. Todos, ou quase todos, concentrados num curto período de tempo, a minha existência. Cansa? Sim. Desgosta? Sim. Cansa e é fonte de amargura para quem foi ensinado a tentar gostar da vida. Ainda não consegui gostar verdadeiramente. No entanto, por breves instantes, sou capaz de vislumbrar a beleza da vida. Como? Atravé...

"Síndrome de Natal"

Os dias que antecedem o Natal criam momentos únicos que importa saber interpretar. Há uma transformação acelerada. No meio da confusão motivada pela festividade surgem casos, recordações e sentimentos intensificados pelos dias falhos de sol e noites iluminadas pelas lareiras, o sol das longas noites. Pediram-me que desse uma pequena olhadela. Nunca me tinham pedido nada parecido, até porque as portas estão sempre abertas e a disponibilidade em atender é uma constante, uma espécie de imagem de marca. Quando tratamos o sofrimento as portas desaparecem. Cruzei-me com a senhora. O seu rosto mostrava algo que não era habitual. Tinha-a visto há poucos dias. Hoje estava diferente, parada e com um sorriso triste. Pensei que estaria ali para tratar qualquer problema, embora sentisse um pequeno estremeção. - Dá-lhe uma olhadela? Disse a enfermeira. Diz que tem um aperto na garganta. - Está bem. Fui ao seu gabinete e fiz-lhe um interrogatório rápido. Deduzi que uma estranha e enigmática ansie...

Pinhões

​ ​ O menino não se lembra quando começou a falar. Mas recorda-se de que a palavra Jesus era utilizada com muita frequência. Depressa associou-a ao bem. Gostava de a ouvir, mas gostou ainda mais quando lhe disseram que no dia do seu aniversário dava prendinhas às crianças. Ficou intrigado, então, em vez de receber, dá prendas? Que bom. É mesmo muito bom. Pensou a criancinha. Ele sabia onde morava. A igreja da misericórdia ficava a pouco menos de um minuto a correr. Não estava à vista. Era pequeno, sorridente e rechonchudo. Só saía dali no dia de Natal para ser exposto na base do altar. - Ainda falta muito para o Natal? Perguntava quase todos os dias. - Falta! O que é que tu queres? - Um carro de corda vermelho! - Vamos a ver. É preciso que te portes bem. Ficou desconfiado de que não iria ter a prenda desejada. Os pais diziam-lhe que só fazia asneiras. Mas prometia sempre que iria portar-se bem. Na véspera de Natal, o pinheiro enfeitado à maneira marcava a ocasião causando-lhe gran...

Capela

Gosto imenso de escrever, quase que poderia afirmar ser o mais poderoso alimento do meu espírito. Do corpo ainda sei tratar, o problema é alimentar a alma, algo muito complicado e, sobretudo, delicado. Preciso de encontrar a todo o momento fontes de inspiração e minas de prazer. Na maioria das vezes é fácil. Voo sem destino entregando-me nos braços do meu maior inimigo, o tempo. Finjo que não o vejo, mas sinto-o cada vez mais pesado e escuro. Gosto de escrever. Poucos saberão, ou melhor, ninguém sabe que no meio do silêncio de um belo templo consigo parar o tempo e ouvir os sons do passado e de um futuro que desconheço. Quantos textos escrevi no meio de um templo onde consegui parar o tempo? Muitos. Parar o tempo é o mesmo que amar a vida e descobrir o significado do presente, coisa não compreendida e incompreensivelmente fugaz. Hoje, fortes bátegas de água agrediram o meu olhar e o meu sentir. Ao passar em frente da capela que faz parte da Casa dos Arcos vi a porta aberta. Chovia ...

Konrad Lorentz

Quando comecei a ler Konrad Lorentz, há muitos anos, fiquei fascinado com as suas pesquisas e descobertas. A etologia, ciência do comportamento dos animais, revelou aspetos que podiam, pelo menos em parte, explicar muito do que é o ser humano e o que faz. E faz coisas verdadeiras miseráveis, a ponto de envergonhar qualquer outra espécie. É a única que mata o seu semelhante com uma violência e perversidade que envergonha qualquer outro animal. A agressividade é inata, assim como outras formas básicas de vida, caso dos comportamentos sexual e alimentar entre outros. Ficou para a história a imagem dos patos a segui-lo como se fosse a mãe. Os patos quando nascem seguem o que se mexe no momento. Até faz lembrar certas pessoas da nossa praça que, quando nascem para a política, seguem o chefe como se fosse a "mãe". Mas este é outro fenómeno para ser autopsiado noutra altura! Ganhei gosto pela etologia. Li muito sobre tão importante ciência que ajuda a compreender a nossa natureza...

Penar

Não sei se o mundo é estranho. Só sei que as pessoas são fragmentos de um vidro destruído por falta de ideais. O mundo não se vê ao espelho e nunca irá perceber se faz ou não sentido. Olho para os fragmentos da vida e não consigo ver o outro lado da realidade, o mundo belo e escondido atrás de um espelho partido. Nem imaginar consigo, apenas sinto. Ainda sinto. Sentir é a mais estranha forma de penar. Um penar que me obriga a pensar sem achar nada a não ser uma profunda indiferença perante o olhar de um mundo criado pelo verbo amar. Estranho mundo. Não sei se é estranho. Eu é que me sinto cada vez mais estranho e cansado da ilusão de um mundo sem sentido. Consola-me uma curta e inesperada conversa, a oferta de sentimentos e paixões moldadas ou pintadas por velhos corações e o desejo de parar o mundo no tempo em que as ondas do mar adormecem, o ar se esconde e a noite desperta com luminosidade para quem não compreende a vida. O que fazer? Esperar. Sempre é uma forma de orar e espanta ...

"Povo"

Gosto de um bom livro, aprecio a literatura e esqueço-me do mundo quando me enfronho nas páginas do neorrealismo português. Devorei a obra de Mário Braga até não haver nada mais para ler; embebedo-me com muita facilidade com Aquilino; Ferreira de Castro incentiva-me a explorar muito do desconhecido. Outros, como Miguéis, Alves Redol, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Vergílio Ferreira, só para citar alguns ilustres representantes da cultura portuguesa cheios de arte, magia, vivência e de sentimentos, conseguem descrever muitas realidades que tive oportunidade de ver, sentir, cheirar e chorar. Ao ler uma obra "proibida" de Afonso Ribeiro, "Povo", estremeci de emoção. Os seus contos não são contos, são verdadeiros poemas de dor e pinturas de almas sofredoras. A miséria humana, em todas as suas expressões, é relatada de uma forma única, sensível e amarga, sem esquecer a fome da esperança e a vontade de amar. Ao ler a pobreza em que viviam os nossos antepassados, o...