Ribeira das Hortas ou Ribeira da Merda?

Em outubro de 2008 escrevi um pequeno texto intitulado Ribeira das Hortas. Fui repescá-lo. Na altura denunciei a situação em que se encontrava. Agora, depois de alguns cuidados, nomeadamente a instalação de repuxos, verifico, para minha surpresa, que está, volta e não volta, transformada em uma espécie de "Ribeira dos Milagres", não para os lados de Leiria, mas em Santa Comba Dão. Alguém anda a fazer descargas na ribeira, conspurcando-a de forma extremamente violenta com total desrespeito pelas leis. Deste modo, proponho que a partir de agora passe a chamar-se "Ribeira da Merda" e aproveito a oportunidade para mandar àquele sítio os autores de tamanha façanha.

Ribeira das Hortas
Tenho participado em várias reuniões por esse mundo fora, mas uma delas provocou-me sensações muito agradáveis. Recordei-me da pequena cidade francesa, Divonne-les-Bains, junto da fronteira suíça, por causa da ribeira das Hortas.
Princípio de Outono. Uma cidade encantadora, pequena e rica em jardins, com uma frondosa floresta multicolor, banhada por um sol morno a meio da tarde que, rapidamente, era substituído por um anoitecer frio mas confortável. Hospedaram-me, amavelmente, num castelo transformado em hotel, afastado do centro, no meio da floresta. Confesso que senti um certo desconforto, devido à distância, que foi ultrapassado pelo prazer de caminhar por veredas e pela margem de uma pequena ribeira. Apaixonei-me por ela. Durante o percurso, que chegava a durar uns bons três quartos de hora, admirava e falava com o correr alegre e suave de uma água cristalina que umas vezes saltitava, outras quase que parava, escondendo-se de súbito, para logo à frente surgir com um olhar malandro como se estivesse a jogar às escondidas. Quando começava a rasgar a pequena cidade, envaidecia-se com as atenções que lhe davam; pequenos e belos pontões, luzes devidamente colocadas nas margens para realçar a sua beleza nocturna, pequeninas e bem conseguidas cascatas que a obrigavam a emitir sons deliciosos, margens bem cuidadas, numa perpétua homenagem da flora local, como que agradecendo o bem que lhe passava aos pés e que nunca se entristecia mesmo quando os ataques de raiva caudalosa a submergia. A ribeira era amada, até pelos seres humanos. Ao longo do trajecto, durante aqueles dias, nunca vi nada que a conspurcasse, nem um saco de plástico, uma garrafa, uma embalagem de pastas dos dentes. Nada. A água limpa era uma constante com um cheiro suave e fresco que contrastava com a tepidez do sol e o frio da noite. Uma ribeira com personalidade e muito respeitada. Uma ribeira alegre. Quando a percorria recordava-me da ribeira da Hortas que, naquele local, deveria sentir-se a ribeira mais feliz do mundo, não lhe ficando atrás em beleza, pena os maus tratos que recebe ao longo do seu trajecto.
Quando percorro as margens da ribeira das Hortas, recordo-me sempre da outra: bela, alegre, bempequeno. cuidada, amada pelos habitantes, vaidosa e com razão. Quando penetro na intimidade da ribeira das Hortas vejo uma beleza triste, não cuidada, não respeitada, suja, não amada, humilhada e que só as raivas das invernias, gritando alto e em bom som, lhe permitem limpar as ofensas que lhe fazem, provando que pode ser tão bela e até muito mais do que a sua irmã de Divonne-les-Bains.
Agora, começa a ser objecto de algumas atenções que lhe permitem restaurar, pelo menos em parte, a sua velha auto-estima, mas é preciso muito mais, sobretudo respeito por parte daqueles que não são capazes de desfrutar e de amar uma das mais belas veias que a Natureza nos dotou. Lançar objectos e lixos é o mesmo que tentar cortar as veias do pulso num arremedo suicida.
Tenho grande dificuldade em compreender o desprezo a que votam um património tão belo. É fácil invocar a falta de sentido cívico e de respeito que não se esgota na agressão à ribeira, passando mesmo pela barbárie da destruição. É preciso educar os mais jovens, que, sendo, em princípio, mais receptivos, poderão no futuro fazer a diferença. Mas também sou adepto de castigos exemplares. Quem fosse apanhado a conspurcar a ribeira deveria ser punido com coima respeitável ou com a obrigatoriedade de a limpar. E, com toda a sinceridade, a ribeira bem merece que a respeitemos. Tão fácil...

Comentários

  1. Surpresa porque volta e não volta a ribeira aparece poluída?
    Surpresa, teêm os turistas que visitam a nossa cidade e chegam ao largo do múnicipio ou á esplanada do café chorão e assistem ao triste espetáculo da ribeira totalmente suja, durante semanas seguidas, com uma goma espessa e nauseabunda que fica retida na represa.
    Surpresa , tem quem vive naquela zona e leva com o mau cheiro constante das águas conspurcadas com sabe-se lá o quê, com a praga de centenas de rãs que por ali procriam e se alimentam com as melgas e moscas que ali abundam aos milhões .Surpresa tenho eu ao ver pombos mortos a boiar nas águas da ribeira e ver uma esplanada cheia de gente a admirar repuxos a pulverizar água cheia de merda e levar durante horas com aquele cheiro.
    Totalmente surpreso fico eu ao perceber que esta situação já foi denunciada por várias vezes ao longo dos anos e nunca ninguém decidiu acabar com esta pouca vergonha, mesmo noutros executivos municipais.
    Estupefacto fico eu ao assistir ás queixas de um múnicipe a um membro deste executivo em que é dada uma resposta em jeito de malcriadez e desresponsabilização das autoridades municipais em que esse energúmero ainda acha que não podem fazer tudo de uma vez e que os múnicipes nunca estão satisfeitos com nada.
    Afinal qual é a preocupação desta C.M. em que vossa ex.ª é presidente da assembleia municipal perante este problema com décadas?
    Pois eu respondo : Andam a limpar agora a ribeira , com “supervisão “de V.ª Ex.ª porque vão decorrer as festas da Cidade no local junto á ribeira.
    Sugiro que faça uma incursão ,a pé desde a foz (dito “Cagalhão”),até á nascente e concerteza que constata o mau estado de limpeza da ribeira ,com vegetação a cobrir totalmente o leito, que nem dá para perceber que passa ali uma ribeira ,outrora de águas límpidas. Sugiro que investigue o estado de funcionamento das mini-etars ao longo do curso da ribeira, nomeadamente a que se situa na zona de Vila de Barba, pois quando enche, adivinhe para onde vão as águas residuais. Mais, veja com os seus próprios olhos e cheire com o seu nariz, o nauseabundo ambiente atmosférico junto á capoeira dos aldrogãos .Será que a C.M. não tem empregados que façam a manutenção deste espaço?
    Verifique para onde vão as águas derivadas da limpeza do mini-zoo e do heliporto.
    Com tanto trabalhador camarário sem nada para fazer durante longos períodos, em vez de estarem ao alto no estaleiro, é po-los a fazer limpeza da ribeira, pelo menos 3 vezes por ano, bem como obrigar a GNR a descobrir de onde vem realmente estas descargas poluentes que periodicamente são deitadas na ribeira ou neste executivo já não há quem mande?
    Por último deixo aqui uma ideia: Além das limpezas regulares, nas alturas de menor caudal, devem ser feitos transvases de água do rio Criz para a ribeira, com ajuda de uma super cisterna semelhante á dos bombeiros, a fim de manter sempre a água limpa. Portanto, não é só na educação dos mais jovens, mas sim no constante empenho na limpeza e monitorização da ribeira e ainda na sensibilização das populações que terá que ser feita no presente.”Tão fácil..”

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  2. ... as "merdices" na Ribeira já não são de agora. É sabido. Não só deste tipo denunciado [que vi aqui neste vídeo], note-se. Já a vi porca em vários tons, até coberta por "rios de gordura arco-íris". Nessa altura, há uma dezena de anos, Outubro 2001, tive a "infeliz" ideia de colocar no Defesa um desabafo [da Ribeira]. Caiu tudo em saco roto, como eu esperava, e só me causou mal estar. Achincalhado. Valeu-me umas valentes piadas em surdina [não apenas piadas se me faço entender] não só do edil [em alta então] como também de membros da instituição Bombeiros [por exemplo, não era senhor de estar em paz a comer uns ossos da assuã no Central sem ouvir as indirectas da ordem] quando afinal o meu pobre texto não referia nem directa nem indirectamente a "fonte" de onde tal caudal de "petróleo" [?] provinha. Fiquei feliz por esta denúncia, não propriamente pela merda em si, claro, mas pelo seu peso [e diga-se que em parte também por me dar oportunidade de poder "botar cá para fora" uma mágoa já com dez anos].
    Neves, AJ

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