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Insultar...


Incomodam-me mas não me surpreendem os insultos que se lançam por aí. Insultar é o equivalente verbal da agressão física. Insultar revela o nível da agressividade humana. Insultar é a forma mais hedionda e miserável de destruir quem quer que seja. Insultar chega por vezes a ser equivalente a um homicídio moral. Insultar é um passatempo para muitos. Insultar diverte os fracos de espírito. Insultar é transformar a palavra num punhal sujo. 
Incomodam-me mas não me surpreendem os insultos. Incomodam-me os insultos seletivos provenientes de mentes que se atrevem a pensar e a parir pensamentos, recordando que são, também, seres criativos, surpreendendo-me com as suas máximas moralistas, máximas que escondem alguma inquietude. 
Cedo aprendi as palavras e as frases da vida, tradutoras de raiva, de ódio, de mesquinhez e de desprezo, frases e palavras para ofender, para destruir, para apunhalar, para desprezar e para derrotar. Muito cedo as ouvi da varanda da casa da minha avó, quando as mulheres nos Aldogrãos, onde iam lavar a roupa, se punham a insultar umas às outras. Sua puta, seu coirão, cabra, o teu homem é um cabrão, só para dizer as mais corriqueiras. Quase sempre acabavam aos gritos e, até, em lutas violentas, em que as palavras e os corpos se fundiam na pureza do insulto e do palavrão. Mas não era só ali, na estação de caminhos-de-ferro, os carregadores, muitas vezes já tocados pelo vinho, e não era preciso esperar pela tarde, faziam uso acelerado de outras palavras, mais masculinas, mas nem por isso menos ofensivas. Foi fácil e rápido o enriquecimento do meu léxico. Fácil de mais. Claro que a sua aplicação prática valeu-me sensações de calor e dor nos respetivos sítios, sobretudo a nível das pobres nádegas, mas, de quando em vez, também ficava com dores de dentes de origem exógena, ou com a sensação de estar com frieiras nas orelhas no pico do verão. Isto para falar na parte física, porque a auditiva não ficava atrás, o pobre do bichinho do ouvido ouviu das boas, quase que ia ficando surdo! Respeito, meu rapaz, respeito, se não tiveres respeito pelos outros não prestas para nada, acabas por ser um borra-botas, um cretino, um imbecil. Meu deus, o que ouvi e o que sofri!
Incomodam-me os insultos que se fazem a certas pessoas, mas não me surpreendem. Tudo aponta para que o insulto se institucionalize como uma manifestação do direito à liberdade. Porra! Eu nunca tive direito à liberdade para dizer asneiras e insultar quem quer que fosse. Porra! Claro que era o tempo do fascismo. O tempo em que não havia liberdade, o tempo em que o insulto era punido e a asneira reprimida, não nos tribunais, não nos jornais, não chegavam lá, mas em casa e na escola. Agora não. Vive-se em liberdade, logo, podemos insultar, não com as palavras que aprendi nos Aldogrãos ou na estação, mas com as aprendidas nos salões, as provenientes da elegância intelectual e da criatividade dos eruditos. Mesmo assim incomodam-me os insultos, mas não me surpreendem. 
Puta de sorte a minha...

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