Uma palavra...


Ouço o vento zangado a soprar nas minhas costas. Não o entendo, não sei o que pretende, talvez queira assustar-me. Incomoda-me aqueles longos gemidos de dor a adivinhar outras dores. O sol dança, o sol esconde-se, também não deve gostar muito daquela agitação e as árvores rodopiam num bailado sem sentido, como almas possuídas pelo demónio.
Invade-me uma sensação de enjoo, deve ser cansaço do corpo e tormenta na alma. Refugio-me em pensamentos mas não os encontro. Leio e não vejo nada. Assusto-me com as pessoas que não temem o vento. Ouço-as a semear ventos. Nunca colhem nada, nem as tempestades. Sopram ventos da desconfiança, ventos da discórdia, ventos de dores, ventos desnorteados. Eu ouço-os e sinto medo. O sono invade-me lentamente como querendo roubar-me à realidade. Alicia-me com uma breve ida ao paraíso, onde não há vento, gritos de dor e ameaças de sofrimento. Sinto um suave peso nas pálpebras. Uma agradável sensação penetra no corpo paralisando os músculos e as ideias. O vento continua a soprar. Parece-me que estou a deixar de o ouvir. Entretanto, o crepúsculo do sonho deixa-se invadir por curtas lembranças. A jovem, tímida, vem atrás de mim, e pergunta-me, posso dar-lhe uma palavra. Olho para o seu semblante e reconheço-a das aulas, uma aluna atenta, sempre atenta. Uma das poucas que resistiram até ao último dia. Faz favor. É só para lhe agradecer as suas aulas. Gostei muito. Sorri e, meio atabalhoado, perguntei-lhe, como é que se chama. Rita. Posso dar-lhe um beijinho? Sorriu, encostou a sua face e cumprimentei-a, dizendo-lhe, obrigado, foi a melhor prenda que recebi até hoje. Ao rememorar este episódio os músculos adquiriram o tónus, o cérebro despertou com alegria e o vento desapareceu como que por encanto e com ele levou as minhas mágoas e medos, ficando a saborear tão belo episódio...

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