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Fantasia


A fantasia é a forma mais explosiva e encantadora para despertar sentimentos e semear emoções nas crianças. Mais tarde, quando forem adultas, compreenderão melhor o mundo e, também, poderão aprender coisas tão interessantes como saborear o amor, alimentar a alma através da solidariedade e reduzir os conflitos através do domínio e a prática da tolerância. Sem o mundo da fantasia nenhuma criança poderá crescer feliz, porque precisa dela como ar para respirar. E mesmo na vida adulta, quem souber mergulhar de vez em quando neste enigmático e agradável mundo, sabe que pode emergir cheio de confiança e de esperança para continuar a viver e a esbijar a existência num mundo louco.
Subir até ao mundo das crianças é uma delícia, aprendemos coisas deliciosas. É tão simples, basta estar com atenção e ir na onda dos seus pensamentos.
Atento, ouvi a conversa da mãe a dizer que a menina andava triste, sobretudo ao acordar. 
- Porquê?
- Porque o Jesus e a "Avó Aninhas" não lhe tem deixado nada debaixo da travesseira. Já me perguntou por que é que deixaram de lhe dar coisinhas.
Entretanto, deitada no chão, rabo alçado, a miúda continuava a brincar com os jogos, não demonstrando qualquer atenção à conversa. Está bem, está, pensei, deve ter tantos ouvidos quantos poros na pele. Ouve e vê tudo, sem mostrar qualquer sinal. Esperta, pensei.
- Pois é! Um aborrecimento. Tenho que falar com o Jesus e a "Avó Aninhas". Preciso de lhes dizer que há alguém muito triste por não se lembrarem dela. Isso não se faz. Eu sei que devem ter muitas coisas por fazer, mas podiam dizer qualquer coisa. Logo vou falar com eles.
- Está bem. Faz o que puderes.
No dia seguinte recebi a notícia de que ao acordar, levantou a travesseira. Não tinha nada.
- "O vovô esqueceu-se de falar com a "Avó Aninhas" e com o Jesus... Não tive direito a um presentito debaixo da minha almofada." Disse ela, com ar descontente... 
No entanto ofereceu um lindo e colorido desenho à mãe, em que ambas estavam representadas com o seu traço muito característico e expressões faciais apropriadas. Claro que fui advertido pela mãe:
- "Vovô", não te esqueças de falar com eles, por favor!
Bom, depois de tomadas as necessárias providências, na manhã seguinte, tinha dois pequenos chocolates. O relato que me chegou aos ouvidos foi impressionante, uma alegria inexplicável. Lembraram-se dela. Afinal gostam dela. Colocou os dois pequenos chocolates na mesinha e não os devorou como seria de esperar. Guardou-os, como quem diz, foram-me oferecidos por alguém especial, que se lembrou de mim. Perguntei à mãe, quem é que na opinião dela foi o ofertante.
- Foi a avó Aninhas?
- Não, desta vez foi o Jesus.
- Ai foi?
- Foi.
Uma fantasia que ajuda a crer, uma fantasia que ajuda a crescer, uma fantasia que ajuda a despertar sentimentos e emoções que um dia permitirão saborear o amor e a alimentar a alma através da solidariedade. 
E não comeu os chocolates! Deve olhar para eles e sentir algo que eu não me importaria de saborear...



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