Avançar para o conteúdo principal

Ler


Cheguei de véspera, o que me dá um particular prazer, não fazer nada antes de trabalhar. É nestes momentos que consigo encontrar algo que me satisfaz ou me induz a pensar sobre o que fazer. Meia-hora é um tempo precioso para o início de um novo dia. Olhei para o templo do outro lado da rua. Há muito que me anda a seduzir, convidando-me para ver os seus interiores. As portas de grades estavam fechadas. Contornei-o na esperança de encontrar uma outra entrada, mas nada, voltei à fachada principal e contemplei o pequeno átrio, onde numa parede se encontravam placas comemorativas, umas medievas e outras modernas. Ri. Não sabia que a visita àquele local de um presidente da república fosse tão importante a ponto de ter uma placa comemorativa. Ridículo, pensei. Ainda bem que outros não tenham aparecido ou sido convidados, se não ainda acabariam com a elegância da fachada. Estava para me ir embora, quando ouço o som de uma velha fechadura a abrir-se. Será que é da porta? Aguardei uns instantes e nada, a fechadura, velha, e a porta de dimensões razoáveis, não deveriam ser fáceis de abrir. A porta abriu-se, logo, tive a esperança de poder ver, ainda que por breves momentos, o seu interior. Em seguida, um senhor fino, de cabelos brancos, abriu, também, as portas gradeadas de ferro. Saiu e disse-me, bom-dia. Bom-dia, ripostei. Entrei e viajei por um espaço que outrora deverá ter sido de uma beleza ímpar. Frescos, muitos destruídos, mas, mesmo assim, reveladores de uma beleza artística capaz de aquecer a alma do mais impuro e insensível dos seres humanos. Fiquei impressionado. Percorri todo o templo numa semi penumbra fresca e quente. O padre, deve ser o padre, reentrou e foi para o altar. Começou a ler o Livro, talvez para se inspirar, para dizer algo a quem o queira ou possa ouvir. Ele lia no Livro e eu lia nas paredes, nas imagens, nos frescos, no silêncio de um espaço decadente e ao mesmo tempo sublime. Sem riqueza, apenas com beleza. Adotei-o instintivamente. Pensei, mais um local onde posso descansar o tempo que procuro achar e que não acho. Uma caverna onde se pode encontrar um refúgio, encontrar encantos e mensagens de outras eras, enigmáticas, doces, quentes e nutritivas. Ele, o padre, presumo que deveria ser o padre, continuava a ler e a inspirar-se, e eu também, ele à sua maneira, com a sua crença, e eu à minha, à procura de uma crença... 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Fugir

Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite.  Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.

Nossa Senhora da Tosse

Acabei de almoçar e pensei dar a tradicional volta. Hoje tem de ser mais pequena para compensar a do dia anterior. Destino? Não tracei. O habitual. O melhor destino é quando se anda à deriva falando ao mesmo tempo. Quanto mais interessante for a conversa menos hipótese se tem de desenhar qualquer mapa. Andei por locais mais do que conhecidos e deixei-me embalar por cortadas inesperadas. Para quê? Para esbarrar em coisas desconhecidas. O que é que eu faço com coisas novas e inesperadas? Embebedo-me. Inspiro o ar, a informação, a descoberta, a emoção, tudo o que conseguir ver, ouvir, sentir e especular. Depois fico com interessantes pontos de partida para pensar, falar e criar. Uma espécie de arqueologia ambulatória em que o destino é senhor de tudo, até do meu pensar. Andámos e falámos. Passámos por locais mais do que conhecidos; velhas casas, cada vez mais decrépitas, rochas adormecidas desde o tempo de Adão e Eva, rios enxutos devido à seca e almas vivas espelhadas nos camp...

"Salvem todos"...

Tenho que confessar, não consigo deixar de pensar nos jovens aprisionados na caverna tailandesa. Estou permanentemente à procura de notícias e evolução dos acontecimentos. Tantas pessoas preocupadas com os jovens. Uma perfeita manifestação de humanidade. O envolvimento e a necessidade de ajudar os nossos semelhantes, independentemente de tudo, constitui a única e gratificante medida da nossa condição humana. Estas atitudes, e exemplos, são uma garantia que me obriga a acreditar na minha espécie. Eu preciso de acreditar. Não invoco Deus por motivos óbvios. Invoco e imploro que os representantes da minha espécie façam o que tenham a fazer para honrar e dignificar a nossa condição. Salvem todos, porque ao salvá-los também ajudam a salvar cada um de nós.