Entrou com algum desembaraço, revelando uma beleza já um pouco esquecida, mas, mesmo assim, suficientemente interessante para chamar a atenção. A face revelava algo de estranho, misto de satisfação e de tristeza, como se a pele tivesse sido curtida pelo sofrimento e os olhos talhados de esperança. As perguntas sacramentais foram lançadas ao ar, e sem saber porquê antevi uma resposta não habitual. - Estou bem, depois de ter perdido tudo, carro, casa, tudo, estou bem. Esboçou um espasmo a querer transformar-se num rio de lágrimas, mas travei-o, desfocando a conversa. Não era difícil saber o que é que lhe tinha acontecido. Uma simples palavra ou um olhar silencioso teriam sido mais do que suficientes para desnudar a sua alma. Não quis. Desta feita não quis. Soube que vivia longe e soube que teve de começar a viver perto. Soube que durante dez anos teve de fazer longos percursos, com muito sacrifício. Repetiu mais duas vezes pequenos espasmos faciais a quererem desfazer-se em água. Evitei-os novamente, porque vi, simultaneamente, uma satisfação, uma alegria, como se fosse uma aberta em dia de tempestade anunciada. - Então, quando é começou a trabalhar aqui, perto de casa. - Hoje. A alegria de dizer hoje foi tão bonita que me pareceu ver a sua pele curtida pelo sofrimento a adquirir a beleza e a frescura de outrora. - Parabéns. O melhor é ir aproveitar o resto do dia. O sol convida a isso. - Obrigada, é o que vou fazer. E saiu com o mesmo desembaraço com que entrou. Chorar e relembrar a dor e o sofrimento num dia de felicidade não se faz a ninguém. Eu não fiz.
Tenho que confessar, não consigo deixar de pensar nos jovens aprisionados na caverna tailandesa. Estou permanentemente à procura de notícias e evolução dos acontecimentos. Tantas pessoas preocupadas com os jovens. Uma perfeita manifestação de humanidade. O envolvimento e a necessidade de ajudar os nossos semelhantes, independentemente de tudo, constitui a única e gratificante medida da nossa condição humana. Estas atitudes, e exemplos, são uma garantia que me obriga a acreditar na minha espécie. Eu preciso de acreditar. Não invoco Deus por motivos óbvios. Invoco e imploro que os representantes da minha espécie façam o que tenham a fazer para honrar e dignificar a nossa condição. Salvem todos, porque ao salvá-los também ajudam a salvar cada um de nós.
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