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Deuses infelizes

Silencio-me contra o muro inexpugnável da vida. Deixo andar. Não consigo acompanhar o seu olhar e ouvir a sua voz. Um muro que esconde o sol. Um mundo que me separa da alegria do sonho de uma vida nunca vivida. Deito-me na sombra de um muro que esconde o sentido do saber. Não quero ouvir, não me apetece falar, não desejo sonhar, não quero sentir nada, apenas cair no mais profundo esquecimento, local privilegiado dos deuses que se afastaram de um mundo criado por engano. Arrependidos? Sim! Não há ninguém perfeito no universo. Ninguém e nada. Existe apenas uma fantasia que alimenta o espírito dos que pretendem fugir da desgraça e do sofrimento. Tudo desaparece. Até os deuses, uns seres infelizes, sabem que um dia nunca mais terão adoradores. Nesse dia, os deuses conhecerão os que os seres humanos sentiram, sofreram e gozaram. Nesse dia chorarão. Nesse dia, os deuses silenciar-se-ão contra o muro inexpugnável da vida. Nesse dia morrerão.
Os deuses também desaparecem.
Felizmente.

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