Avançar para o conteúdo principal

Deuses infelizes

Silencio-me contra o muro inexpugnável da vida. Deixo andar. Não consigo acompanhar o seu olhar e ouvir a sua voz. Um muro que esconde o sol. Um mundo que me separa da alegria do sonho de uma vida nunca vivida. Deito-me na sombra de um muro que esconde o sentido do saber. Não quero ouvir, não me apetece falar, não desejo sonhar, não quero sentir nada, apenas cair no mais profundo esquecimento, local privilegiado dos deuses que se afastaram de um mundo criado por engano. Arrependidos? Sim! Não há ninguém perfeito no universo. Ninguém e nada. Existe apenas uma fantasia que alimenta o espírito dos que pretendem fugir da desgraça e do sofrimento. Tudo desaparece. Até os deuses, uns seres infelizes, sabem que um dia nunca mais terão adoradores. Nesse dia, os deuses conhecerão os que os seres humanos sentiram, sofreram e gozaram. Nesse dia chorarão. Nesse dia, os deuses silenciar-se-ão contra o muro inexpugnável da vida. Nesse dia morrerão.
Os deuses também desaparecem.
Felizmente.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Fugir

Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite.  Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.

Nossa Senhora da Tosse

Acabei de almoçar e pensei dar a tradicional volta. Hoje tem de ser mais pequena para compensar a do dia anterior. Destino? Não tracei. O habitual. O melhor destino é quando se anda à deriva falando ao mesmo tempo. Quanto mais interessante for a conversa menos hipótese se tem de desenhar qualquer mapa. Andei por locais mais do que conhecidos e deixei-me embalar por cortadas inesperadas. Para quê? Para esbarrar em coisas desconhecidas. O que é que eu faço com coisas novas e inesperadas? Embebedo-me. Inspiro o ar, a informação, a descoberta, a emoção, tudo o que conseguir ver, ouvir, sentir e especular. Depois fico com interessantes pontos de partida para pensar, falar e criar. Uma espécie de arqueologia ambulatória em que o destino é senhor de tudo, até do meu pensar. Andámos e falámos. Passámos por locais mais do que conhecidos; velhas casas, cada vez mais decrépitas, rochas adormecidas desde o tempo de Adão e Eva, rios enxutos devido à seca e almas vivas espelhadas nos camp...

Guerra da Flandres...

Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão. Exmas autoridades. Caros concidadãos e concidadãs. Hoje, Dia de Portugal, vou usar da palavra na dupla qualidade de cidadão e de Presidente da Assembleia Municipal. Palavra. A palavra está associada ao nascer do homem, a palavra vive com o homem, mas a palavra não morre com o homem. A palavra, na sua expressão oral, escrita ou no silêncio do pensamento, representa aquilo que interpreto como sendo a verdadeira essência da alma. A alma existe graças à palavra. A palavra é o seu corpo, é a forma que encontro para lhe dar vida. Hoje, vou utilizá-la para ressuscitar no nosso ideário corpos violentados pela guerra, buscando-os a um passado um pouco longínquo, trazendo-os à nossa presença para que possam conviver connosco, partilhando ideias, valores, dores, sofrimentos e, também, alegrias nunca vividas. Quando somos pequenos vamos lentamente percebendo o sentido das palavras, umas vezes é fácil, mas outr...