Avançar para o conteúdo principal

Sol negro


Apetece-me fugir da vida, mas acabo por verificar que é a vida que foge de mim. A sensação de frustração é violenta e muito dolorosa. Olho, ouço e sinto que não consigo encontrar o meu lugar. Cada dia que passa fico mais distante do desejado. Almas humanas embrutecidas, cuja aparente humildade esconde muita arrogância e oceanos de mesquinhez, ofendem-me e fazem com que não entenda o verdadeiro significado da fé. Fé? Sorrio. Uma palavra que começo a desprezar e até a odiar. Fico confuso com tão estranhas sensações, querer ajudar os que precisam e lutar pelo meu desejado e cada vez mais distante destino. Apetece-me fugir, mas a vida goza comigo. É ela que foge com arrogância e desprezo a ponto de querer esquecer tudo e refugiar-me numa torre, não de marfim, mas de ilusões, doces, suaves e coloridas, capaz de pulsar ao som do bater de um pobre coração enlouquecido por ter viver uma vida sem qualquer sentido. Fujo. Apago-me. Silencio-me. Amuralho alguns pensamentos. Os que saem, ainda, procuram as brechas de paredes rochosas que tento colocar em meu redor até poder sucumbir sem fé, sem esperança e sem dor no silêncio do esquecimento, afastado de um mundo que me ofende e humilha a cada dia que passa. Custa sentir a vida cheia de farpas, de ignomínias, de desprezo, de falta de sentido, parca em recompensas e, sobretudo, incapaz de oferecer um amor vivo que me permita adubar as sementes de novas ideias e desejos que vagabundeiam na minha alma. Acabam por morrer nas sombras da indiferença e no silêncio de um sol negro.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Fugir

Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite.  Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.

Nossa Senhora da Tosse

Acabei de almoçar e pensei dar a tradicional volta. Hoje tem de ser mais pequena para compensar a do dia anterior. Destino? Não tracei. O habitual. O melhor destino é quando se anda à deriva falando ao mesmo tempo. Quanto mais interessante for a conversa menos hipótese se tem de desenhar qualquer mapa. Andei por locais mais do que conhecidos e deixei-me embalar por cortadas inesperadas. Para quê? Para esbarrar em coisas desconhecidas. O que é que eu faço com coisas novas e inesperadas? Embebedo-me. Inspiro o ar, a informação, a descoberta, a emoção, tudo o que conseguir ver, ouvir, sentir e especular. Depois fico com interessantes pontos de partida para pensar, falar e criar. Uma espécie de arqueologia ambulatória em que o destino é senhor de tudo, até do meu pensar. Andámos e falámos. Passámos por locais mais do que conhecidos; velhas casas, cada vez mais decrépitas, rochas adormecidas desde o tempo de Adão e Eva, rios enxutos devido à seca e almas vivas espelhadas nos camp...

Guerra da Flandres...

Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão. Exmas autoridades. Caros concidadãos e concidadãs. Hoje, Dia de Portugal, vou usar da palavra na dupla qualidade de cidadão e de Presidente da Assembleia Municipal. Palavra. A palavra está associada ao nascer do homem, a palavra vive com o homem, mas a palavra não morre com o homem. A palavra, na sua expressão oral, escrita ou no silêncio do pensamento, representa aquilo que interpreto como sendo a verdadeira essência da alma. A alma existe graças à palavra. A palavra é o seu corpo, é a forma que encontro para lhe dar vida. Hoje, vou utilizá-la para ressuscitar no nosso ideário corpos violentados pela guerra, buscando-os a um passado um pouco longínquo, trazendo-os à nossa presença para que possam conviver connosco, partilhando ideias, valores, dores, sofrimentos e, também, alegrias nunca vividas. Quando somos pequenos vamos lentamente percebendo o sentido das palavras, umas vezes é fácil, mas outr...